São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 1994
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Política trocou conspiração por marketing

VINICIUS TORRES FREIRE
DA REPORTAGEM LOCAL

Com a volta das eleições livres no país, a partir de meados dos anos 80, as maiores preocupações dos candidatos passaram a ter peso diferente, comparadas às do período que vai de 1945 a 1964. Arrumar dinheiro para suas campanhas, ter um esquema profissional de propaganda política e evitar denúncias de corrupção contra seu grupo ou partido, ou até mesmo contra o próprio candidato, parecem hoje as prioridades dos políticos de todos os tempos. Mas os tempos já foram mais bicudos.
Disputar um cargo eletivo, além de tomar posse e terminar o mandato, dependia de fatores não tão amenos como encontrar um bom marqueteiro para vender uma imagem palatável ou montar um esquema de financimento da campanha que não termine em uma CPI.
No período antes considerado o mais livre da história política do país, a República da Constituição de 1946, derrubada em 1964, era preciso combater conspirações civis, golpes militares e a campanha aberta e violenta de jornais oposicionistas. Campanha política, não jornalística, entenda-se.
A eleição de dezembro de 1945 aconteceu depois do golpe que depôs o ditador Getúlio Vargas e foi disputada por dois oficiais-generais, o general Eurico Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes. No final do governo, em 1950, Dutra precisou garantir publicamente que daria posse ao sucessor eleito nas urnas, Vargas. E não era, nem de longe, mera retórica.
Carlos Lacerda, jornalista dono da Tribuna da Imprensa e udenista, escrevera durante a campanha de 1950 que Vargas não poderia ser candidato. Candidato, não deveria ser eleito. Eleito, não deveria tomar posse. Empossado, deveria ser derrubado.
Empossado, depois de ter sua eleição constestada pela UDN e garantida discretamente pelos militares, Vargas enfrentou a oposição de Lacerda e da UDN, que denunciaram o "mar de lama" de seu governo e pediram seu impeachment. O governo estaria envolvido em operações irregulares de financiamento do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, governista. Comprometido em atentado contra vida de Lacerda, Vargas se suicidou em 54.
Juscelino Kubitschek, presidente entre 1956 e 1961, só tomou posse devido a dois contragolpes do general Henrique Lott, então ministro da Guerra (correspondente hoje ao de ministro do Exército).
Na campanha de 1955, que elegeu JK, Lacerda, de novo, pediu a intervenção militar e suspensão das garantias individuais -da Constituição, enfim. A conspiração não era secreta. Lacerda pedia os golpes pelo jornal. Em agosto de 1955 chegou a escrever um "Programa para o Contragolpe". "Contragolpe", pois o jornalista dizia que Juscelino e seu vice, João Goulart, instaurariam uma ditadura no país. Na verdade, a ditadura só viria com a participação do próprio Lacerda, em 1964.
Financimento de campanhas também era problema na época. Durante o governo JK, Lacerda, sempre ele, acusou João Goulart de ter estado envolvido, em 1950, em um esquema irregular de venda de madeiras para a Argentina. Com a ajuda do então presidente Juan Domingo Perón, Jango estaria tentanto obter verbas para a campanha de Vargas à Presidência.
A coluna "Era uma vez" é publicada todas as quartas-feiras.

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