São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Funcionários narram as últimas horas

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

Funcionários narram as últimas horas
Depoimentos inéditos de empregados de Vargas revelam detalhes sobre os momentos que antecederam sua morte
"Você me prometeu que não faria isso", diz Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha e secretária do presidente, ao ver o pai estendido sobre a cama no palácio do Catete, zona sul do Rio.
Na manhã do dia 24 de agosto de 1954, Alzirinha é uma das primeiras pessoas a entrar no quarto de Getúlio Vargas.
"O presidente ainda esboçou um sorriso, mas já empalidecia e perdia as forças". O relato da cena é de João Zaratini, então mordomo de Vargas.
Ele e outros funcionários do palácio foram ouvidos no inquérito que apurava o atentado ao jornalista oposicionista Carlos Lacerda, ocorrido 19 dias antes.
Os depoimentos foram encontrados durante a elaboração do livro "Uma Crise de Agosto: o Atentado da Rua Toneleros", de Claudio Lacerda. Como o livro se refere ao atentado, os detalhes sobre o suicídio ficaram de fora da edição final.
A seguir, a evolução da crise segundo os funcionários do Catete.
Dia 5 de agosto. Depois de ler a notícia do atentado, Vargas diz a José Vitor de Figueiredo, contínuo do palácio, para chamar Gregório Fortunato, chefe de sua guarda pessoal. "O tenente Gregório se demorou cerca de dez minutos, retirando-se para seus aposentos".
Dia 8 de agosto. Mário Lopes de Mesquita, massagista do presidente, nota que ele estava "muito acabrunhado". Toma a iniciativa de falar no caso Toneleros. "O presidente salientou que era "a pior coisa" que podia ter acontecido naquela altura do seu governo.
Dia 10 de agosto. "O presidente ficou muito preocupado e aborrecido ao saber que Climério (Climério Euribes de Souza, ligado à guarda pessoal) participara do atentado", conta o barbeiro Pedro Lourenço Barbosa.
Dia 17 de agosto. Prisão de Climério. O presidente determina ao contínuo Figueiredo que chame seu irmão caçula, Benjamim Vargas, o Bejo.
Dia 23 de agosto. Antes da reunião ministerial, Vargas janta guisado de carne com coalhada. "Ele nada revelava de anormal, salvo a natural preocupação e assim mesmo de modo discreto com que deixava transparecer seus sentimentos", conta Zaratini.
Dia 24 de agosto, 4h15. Benjamim sai do quarto do presidente e comenta com Barbosa: "Agora que ele (Vargas) se deitou".
7h45 – Vargas pede a Barbosa que chame Benjamim. O barbeiro sai do quarto. Pouco depois, vê Getúlio Vargas, de pijama, entrar em seu gabinete de trabalho. Barbosa entra no quarto do presidente para pegar suas roupas. No corredor, o mordomo Zaratini observa o presidente voltar para o quarto com "uma das mãos no bolso e a outra abanando".
"O que você está fazendo aí?", diz Vargas a Barbosa ao vê-lo em seu quarto. "Me deixe descansar mais um bocado". Barbosa sai.
8h15 – Barbosa ouve um estampido. Corre até o quarto e vê o presidente "deitado na cama de braços abertos, com uma perna sobre a cama e outra um pouco fora, tendo um revólver na palma da mão direita e uma mancha de sangue no peito do lado esquerdo".
Logo depois, entram o major Hélio Dornelles e Alzira, que grita: "Não pode ser, não pode ser".
Após a verificação da morte, conta Zaratini, Benjamim "se dirigiu ao telefone e falou com alguém, a quem disse: "Sua obra está completa, acaba de matar-se o presidente".

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