São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Coleção de camisinhas vira mania de garotos

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os primos André e Inácio já têm 35 camisinhas e sonham com uma coleção de 195. Nenhuma repetida. André tem 8 anos e Inácio, 9.
A turma do Daniel, 14, já tem mais de cem. Como eles, outros grupos de crianças e pré-adolescentes de várias escolas de São Paulo estão colecionando camisinhas de todas as cores, sabores, tamanhos e procedência. Sinal dos tempos de Aids.
Por enquanto, os preservativos são trocados entre amigos e mantidos nos seus envelopes lacrados. Érica, 13, uma das raras meninas colecionadoras, um dia abriu toda a coleção e pendurou as camisinhas no armário do quarto. Está recomeçando do zero.
Para a maioria desses pequenos colecionadores, as camisinhas perderão seu prazo de validade antes que possam ser desenroladas. Mas aos olhos dos pais e especialistas, a coleção já está atingindo sua finalidade: a de aproximar as crianças de um acessório que terá de fazer parte de sua vida sexual.
O pai de André, o médico epidemiologista Glacus de Souza Brito, 36, um dia levou para casa uma camisinha, desenrolou-a e mostrou ao filho. Dias depois, André e o primo foram surpreendidos na farmácia da esquina comprando uma caixa de preservativo. Tinham pedido dinheiro à avó para comprar chocolate.
Agora, toda a família está mobilizada. "Sempre que alguém viaja, os meninos pedem para trazer marcas novas", diz Brito.
A coleção dos dois primos já tem quase um ano. Três outros meninos da rua onde moram, em Perdizes, também iniciaram suas coleções. No Parque dos Príncipes, zona oeste da cidade, um grupo de sete estudantes está colecionando camisinhas há três meses.
Para trocar as repetidas, eles costumam se reunir na casa do físico Luiz Felipe Pedroso de Lima, 51, pai de Daniel e Fábio, 12. Os pais só têm incentivado. "É importante que a camisinha não seja um objeto estranho", diz Lima.
Para esses pequenos colecionadores, o preservativo já não assusta nem intimida. "Eles próprios vão à farmácia comprar, o que significa que não têm vergonha", diz Fábio Fortunato, 41, psicólogo e pai do menino Inácio.
Na turma do Daniel, todos carregam uma camisinha na carteira. "Eles mostram o preservativo como uma carteira de identidade", diz o psicólogo Ricardo Castro e Silva, 36. Para ele, esses estudantes "estão incorporando ao ritual da coleção um símbolo de sua época".
"A distância entre a camisinha no bolso e seu uso não deve existir nesta nova geração. Quando chegar a hora, eles irão usar."
Castro e Silva faz parte do GTPOS, Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual. O grupo está implantando programas de orientação sexual em escolas municipais de várias capitais.
Nas aulas, os estudantes olham, tocam e abrem as camisinhas. Segundo Castro e Silva, muitos pais estão deixando camisinhas no banheiro ou mostrando-as aos filhos pré-adolescentes como forma de falar sobre sexualidade e Aids.
"Mais importante que a camisinha é a oportunidade de poder explicar para que ela serve, o que é Aids, como se pega e como se evita", diz Fortunato.
Como psicólogo, ele acha que, para os meninos menores, a escolha da camisinha como objeto de coleção tem a ver com o tamanho do pênis. "Eles têm muita curiosidade por um órgão maior que o deles. E ter acesso à camisinha é uma forma de medir o órgão de um adulto."
Haveria outra razão, segundo Fortunato. "Crianças e adolescentes gostam de colecionar o que é proibido. Na minha época, eram as revistinhas do Carlos Zéfiro."

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