São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Comércio de órgãos prospera na Índia

The Independent
De Londres

TIM MCGIRK

The Independent
De LondresComércio de órgãos prospera na Índia
Moscas passeavam sobre o rosto de seu marido bêbado, estendido no chão de terra do barraco. A mulher, Vajaya, tirou de sua roupa a foto encardida de uma família australiana em férias e apontou para a mãe das três sorridentes crianças loiras. "Tá vendo essa? Foi ela que ficou com meu rim."
No verso da fotografia a mulher havia escrito a Vajaya: "Abraços de sua família patrocinadora, no inverno suíço".
Se alguém era patrocinadora, era Vajaya, que salvara a vida da australiana. O rim custou à australiana 37 libras (cerca de US$ 55).
A maioria dos países proíbe a venda de órgãos, mas a Índia tornou-se notória por funcionar como "bazar" de peças humanas avulsas, fornecedora de rins, córneas, sangue, pele e esqueletos.
Em junho passado, o Parlamento indiano proibiu o tráfico de órgaos, mas a lei ainda não é aplicada em muitos Estados do país.
Todo ano, dezenas de britânicos, desesperançados após anos nas listas de espera vão à Índia para fazer seus transplantes. A favela de Vajaya se chama Villivakkan –conhecida por "Kidney-vakkan" ("Rim-vakkan").
Mais de 900 de seus 4.500 habitantes já venderam um de seus rins. A favela é pouco menos pobre do que outras em Madras: algumas casas são de alvenaria e os homens andam de bicicleta.
A maioria dos doadores é mulher. "Nó somos saudáveis. Os homens são bêbados", diz Vajaya.
Embora muitos sejam analfabetos, os moradores se mostram informados sobre grupos sanguíneos e tipos de tecido humano, sem falar na cotação do rim.
Os preços vão de 300 a 350 libras (cerca de US$ 500), mas a pessoa que recebe o rim tem que pagar 14 mil libras pela cirurgia.
Quem lucra mais são médicos e intermediários. Segundo Simran Nandy, cirurgião de Nova Déli responsável pela aprovação da nova lei, "é uma espécie de prostituição. Os pobres são obrigados a vender seus corpos aos ricos".
Para os pobres de Villavakkan, a venda de um órgão, seja um rim ou uma córnea, e sua única chance de se livrar das dívidas.
Mas Sakuntala, 35, mãe de três filhos, se arrepende de haver vendido um de seus rins. "Tenho problemas respiratórios e não consigo trabalhar como antes. E o dinheiro acabou em pouco tempo."
Numa das melhores clínicas particulares de Madras, a Willington Nursing Home, perguntei onde adquirir um rim.
Falei com o médico Thiaga, me fazendo passar por empresário estrangeiro. Ele disse que a clínica já fizera 1.600 transplantes de rins.
Quanto à nova lei, ele disse: "Só tentam nos assustar." Perguntei sobre Aids. "Não se preocupe, Madras não é como Bombaim."
Segundo a revista médica "The Lancet", quatro pacientes de Omã recentemente contraíram Aids de rins comprados em Bombaim, infectados com o vírus HIV.
De volta a Villavakkan, perguntei a Vajaya e a várias outras mulheres se haviam passado por testes de Aids antes de doarem seus rins. "Hoje fazem o teste, mas antes, não", respondeu Sakuntala, cujo rim foi retirado há três anos.
A notícia de que um repórter fazia perguntas sobre venda de órgãos chegou aos "goondahs" –bandidos pagos pelos intermediários dos hospitais. Assustadas, as mulheres expulsaram a mim e ao fotógrafo de seu barraco.
Tradução de Clara Allain

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