São Paulo, domingo, 21 de agosto de 1994
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Jogando na retranca

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Chegou um sapato da China ao preço de R$ 1 enquanto que o similar nacional sai por, aproximadamente, R$ 10. Ofereceram uma caixa de alho lá do Oriente por R$ 3, enquanto que a brasileira custa R$ 12. Há pouco tempo, um amigo contou ter comprado uma boa camisa em Nova York por US$ 12 enquanto que uma semelhante em São Paulo custava US$ 20.
Diferenças como essas criam fortes apreensões. Hoje são os fabricantes de calçados que se preocupam com uma eventual "invasão chinesa". Amanhã, serão os seus trabalhadores que reclamarão a perda de empregos.
Essas diferenças de preços têm várias causas: juros, impostos, tecnologia, produtividade, transporte etc. Trata-se de um novelo superembaraçado. A interação desses fatores dá um efeito perverso nos preços. A causa inicial está nos juros. Examine estes dados:
A situação do Brasil é dramática. As empresas brasileiras pagaram, em 1993, quase 27% de juros reais, enquanto que as coreanas pagaram apenas 6,3%; as filipinas, 5,4%; as venezuelanas, menos de 2%; o Chile teve subsídio.
A nossa taxa de juros é horrorosa e inviabiliza qualquer negócio decente. Os juros, como se sabe, têm um forte impacto no preço final dos produtos pois incidem, de forma cumulativa, em todas as fases de produção e comercialização daqueles bens.
O problema se agrava enormemente quando os altos impostos começam a incidir sobre cada uma das fases. O seu efeito final é gigantesco –fortemente alavancado, de saída, pelos altos juros.
Ou seja, a interação entre juros e tributos tem um impacto pavoroso na formação de nossos preços e explica grande parte das diferenças mencionadas. Além disso, provoca um prejuízo adicional –igualmente perverso– ao inibir a modernização tecnológica. No caso dos calçados isso talvez seja secundário (suponho que a tecnologia do Brasil seja semelhante à da Ásia), mas em setores mais complexos, o problema é grave. Quem pode comprar maquinário mais eficiente na base de 27% de juros reais? Ninguém!
Conclusão: o efeito multiplicativo desses fatores cria graves problemas para as empresas, trabalhadores e consumidores do Brasil. De saída, os juros estouram os custos. Aí vêm os impostos e aumentam ainda mais. Essa incidência em cascata bloqueia as inovações e reduz a nossa competitividade.
Para desatar esse nó é fundamental baixar os juros e reduzir os impostos aos níveis da Coréia. Nessas condições, o Brasil também conseguirá competir até com a China. Mas, tendo de usar recursos próprios, as empresas brasileiras são forçadas a caminhar devagar, investindo pouco, modernizando menos, criando poucos empregos e pressionando os preços.
É o jogo da retranca. O Parreira se foi, a retranca ficou...

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