São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 1994
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Exportar sem se importar

Embora técnicos do governo venham dando as mais variadas justificativas para manter a atual política cambial, e mesmo considerando que muitas delas são de fato aceitáveis, o fato é que se preferiu correr menos riscos e lançar um amplo pacote de medidas de apoio aos exportadores. São, em grande parte, medidas de natureza fiscal, ou seja, abre-se um processo de revisão e redução da estrutura de impostos sobre setores exportadores.
Mas não é apenas isso. O pacote reforça políticas comerciais setoriais ou seletivas. Benefícios fiscais e de crédito aos produtores de bens de capital somam-se, assim, à manutenção de tarifas mais elevadas para importações de similares estrangeiros. Inicia-se também a montagem de um conjunto de instrumentos de política "anti-dumping", ou seja, de retaliação ao que se vier a considerar como competição desleal de produtores de outros países.
Trata-se, portanto, não apenas de um pacote de estímulos à exportação, mas da montagem de um conjunto de novas regras e mecanismos de política industrial, com ênfase na proteção do setor de bens de capital. Assim sendo, cabe recolocar a dúvida que tantas vezes já se apresentou no passado: entende o governo a necessidade de que tais medidas se façam acompanhar de critérios transparentes? Saberá, de outro lado, explicitar os limites entre o apoio estratégico, localizado e temporário, e o hábito tipicamente brasileiro de montar cartórios protecionistas, sem prazos nem cobranças, apenas renúncia fiscal? Infelizmente, sob pretexto de proteger exportadores, tais preocupações não transparecem na ofensiva de política industrial.
Para complicar um pouco mais as coisas, ninguém menos que o ministro interino das Relações Exteriores, Roberto Abdenur, declarou que o governo não está aparelhado para investigar os casos de "dumping". É o caso de perguntar, então, com base em quais critérios sabe-se lá quem irá erigir barreiras contra importações consideradas desleais. É o próprio governo quem deixa a pergunta no ar. Parece preocupado em ajudar o país a exportar mais, mas sem se importar como.

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