São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Enquanto a campanha não esquenta

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Poucas vezes a imprensa terá errado tanto uma previsão: a corrida eleitoral, em vez de ser eletrizante, anda de uma chatice inacreditável. Nos últimos dias, o que os jornais tiveram de matéria-prima girou em torno de mudanças no comando da campanha do PT, às voltas com a queda de Lula nas pesquisas, e denúncias de uso da máquina administrativa que, em tese, poderiam levar à impugnação da candidatura de FHC. Até o programa eleitoral de rádio e TV, que costumava render pautas, virou um sonífero (na verdade, sempre foi), graças a uma lei que amarra os candidatos a aparições dentro do estúdio.
Uma boa medida de que as eleições deixaram de empolgar, pelo menos momentaneamente, pode ser o número de cartas e telefonemas que recebi na semana passada: de um total de 177 manifestações de leitores, só 13 tratavam desse assunto. Na maioria das vezes, para falar da única "notícia" destas eleições, as pesquisas de intenção de voto. O restante vem de leitores que acusam a Folha de "fernandohenriquista" (3) e de "lulista" (3), com argumentos que revelam muito mais paixão pelo candidato que estaria sendo preterido do que falhas do jornal (o Painel do Leitor tem mostrado alguns bons exemplos dessa divisão entre os leitores da Folha).
Sobre as pesquisas eleitorais, recebi dois telefonemas que merecem comentários aqui (no mínimo, para esclarecer outros leitores que possam ter a mesma dúvida). Na terça-feira, um médico de São Paulo questionou a publicação de uma nova pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais. Dois dias antes, no domingo (21 de agosto), o jornal já havia dado manchete para outra pesquisa. O argumento central desse leitor: não havia fato político que justificasse uma nova sondagem em 48 horas. Ele não deixa de ter certa razão. "Dessa maneira, o jornal despolitiza a pesquisa e passa a fazer pesquisas pelas pesquisas. Esta eleição já não tem grandes novidades, nem grandes programas de governo. Com uma pesquisa em cima da outra, fica ainda pior", comentou ele.
Na quarta-feira, foi a vez de um técnico em eletrônica também de São Paulo telefonar para contestar a conta feita no dia anterior pelo jornal. Segundo a Folha, FHC já teria 43% das intenções de voto na pesquisa Datafolha e seus adversários, somados, chegavam a 38%. Assim, se a eleição ocorresse no dia da pesquisa, estaria resolvida no primeiro turno. O leitor discordou desse raciocínio: somou os dois pontos de margem de erro a FHC, e ele chegou a 45%. Em seguida, somou dois pontos de margem de erro a cada um dos adversários do tucano e eles chegaram, juntos, a 48%. "O jornal errou", disse o leitor. "Há ainda uma possibilidade de segundo turno e a Folha não contou a seus leitores."
Consultei o Datafolha: quem errou foi o leitor. Não se pode acrescentar a margem de erro a todos os resultados obtidos numa pesquisa simplesmente porque a soma ultrapassaria os 100% da amostra. A explicação é simples: nem todas os resultados podem, ao mesmo tempo, variar para cima. Se um candidato tem os dois pontos integrais da margem de erro para mais, outro deve ter para menos. Como não se sabe quem está em cada uma dessas situações, a pesquisa só pode apontar tendências e fazer previsões baseadas nos dados científicos que recolhe. E as previsões do Datafolha, diga-se em seu favor, têm sido bastante exatas nos últimos pleitos.

E de que reclamam os leitores que não estão muito interessados em pesquisas e campanhas eleitorais? Bem, de tudo um pouco. Onze deles escreveram ou telefonaram para apontar falhas de acabamento no atlas que a Folha está distribuindo nas edições de domingo. Desse total, seis falavam da mesma coisa: problemas no mapa da Itália que saiu no segundo fascículo, onde a localização de algumas cidades (como Bolonha) parece estranha.
As observações desses onze leitores, e todas as outras que chegarem, estão sendo encaminhadas à equipe de coordenação editorial do atlas para análise. Dessa mesma equipe, estou recebendo esclarecimentos sobre cada um dos casos apontados pelos leitores (e os leitores recebem cartas da ombudsman relatando as providências em relação à sua queixa). Nos casos em que houver comprovação do erro, a Folha pretende corrigi-lo. Até o momento, o jornal ainda discute como vai fazer isso, mas a Redação garante: nenhuma falha vai passar em branco.

Na sexta-feira, recebi carta de um leitor de Franco da Rocha (SP) que merece ser citada. Diz: "Quando das acusações sobre os senadores José Paulo Bisol e Guilherme Palmeira, ex-vices de Lula e FHC, a Folha deu amplo destaque às investigações tendo, no caso de Bisol, enviado um repórter a Buritis (MG) para confirmar se as obras realmente iriam beneficiar a fazenda do parlamentar. Muito bem. Tão logo foram substituídos, a Folha e toda a imprensa simplesmente se calaram como se, ao deixarem de ser vices, quaisquer danos que eles tenham trazido ao erário público perdesse a validade."
E não é que o leitor tem toda a razão?

Também na sexta-feira, recebi carta de um leitor de São Paulo que se identifica como engenheiro e reclama, também com razão, numa carta bem-humorada: "Passei dos 40 e meu oftalmologista não sabe mais o que fazer. Vocês diminuíram o tamanho das tirinhas!"

Texto Anterior: Era esperto e inteligente, dizem empresários
Próximo Texto: Uma questão de honestidade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.