São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Uma questão de honestidade

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Algumas cabeças obtusas da redação do jornal carioca "O Globo" vêem no ombudsman da Folha, desde o começo, um braço da direção do jornal cuja função primeira seria fustigar aquele diário. Não deve ser por outra razão que os ombudsmen que me antecederam aqui tiveram que responder a ataques nem sempre originais, nem sempre identificados, disparados desde "O Globo". Também já fui alvo de alguns desses ataques, mas nunca ocupei o espaço desta coluna para tratar deles porque me pareceram desimportantes, gratuitos e dispensáveis. Em respeito ao leitor da Folha, reservo a coluna para tratar de assuntos que imagino mais nobres. Fofoca não tem espaço aqui.
Na terça-feira, entretanto, uma nota transplantada para dentro da coluna "Zózimo", em "O Globo", deu um exemplo de mau jornalismo, o que me leva a comentá-la. Com um texto obtuso, ela dizia: "A ombudsmãe (sic) da Folha já sabe que a gente sabe que ela é desonesta." E só, sem maiores explicações. Como o jornal não voltou ao assunto, no mínimo para decifrar esse enigma a seus leitores, e como "O Globo" não tem ombudsman a quem, como leitora, possa me dirigir para pedir esclarecimentos sobre o significado da nota, fico na dúvida. O que é que "O Globo" quis dizer com isso?

Quatro leitores da Folha viram a nota em "O Globo" e telefonaram para perguntar a mesma coisa. Sugeri que eles telefonassem à direção do jornal e repetissem a pergunta. Não sei se foram atendidos lá (aqui, lembro sempre, eles têm uma ombudsman para anotar suas queixas e resolver suas dúvidas em relação ao jornal). Se foram atendidos, não sei se conseguiram explicações convincentes. As cabeças obtusas de "O Globo" ainda têm a memória dos porões, aos quais se acostumaram em anos passados e já devidamente enterrados em outras redações. Ética e transparência, ali, são coisas que essas cabeças obtusas exigem de outros, mas não de si.

Talvez o que as cabeças obtusas de "O Globo" quisessem dizer com a nota é que, na terça-feira, eu já devia ter conhecimento de uma carta encaminhada por Luiz Eduardo Vasconcelos, diretor de marketing daquele jornal, solicitando minha intervenção de ombudsman no seguinte caso: a Folha publicou em 15 de agosto um gráfico em que comparava sua tiragem recorde depois do lançamento do atlas, em 14 de agosto, com tiragens de outros jornais e revistas em abril, segundo dados do Instituto Verificador de Circulação, o IVC. Ocorre que "O Globo" lançou um dicionário em fascículos em 31 de julho, e também elevou sua tiragem. Reclamou em carta dirigida à direção da Folha, mas não foi atendido: o jornal publicou-a no Painel do Leitor e reafirmou que só poderia confiar nos dados do IVC sobre outros veículos.
O que o diretor de marketing de "O Globo" me pedia, na segunda carta (a única enviada à ombudsman), era justo: que a Folha confrontasse seus números atuais com os números atuais de "O Globo", ainda que ambos não tivessem sido auditados pelo IVC. Encaminhei a carta à Redação com a seguinte anotação: "O remetente tem razão, e o jornal deveria reconhecer que comparou coisas diferentes."
Na quarta-feira, a carta foi publicada na íntegra, no Painel do Leitor, acompanhada dos números solicitados por "O Globo". De forma transparente, a Folha aceitou as ponderações da ombudsman e corrigiu seu erro. Enviei carta ao diretor de marketing de "O Globo" informando sobre o caso, que por mim parece encerrado.

Se houve alguma desonestidade nesse episódio, ela partiu das cabeças obtusas de "O Globo", que lançaram a mim um ataque de duplo sentido, leviano e irresponsável em suas páginas ao mesmo tempo em que solicitavam, numa carta reservada e polida, minhas providências de ombudsman (confiando em que elas seriam mesmo tomadas) para reparar um erro da Folha que prejudicava o jornal. Se "O Globo" tivesse ombudsman, eu reclamaria a ele. Como não tem, só posso lamentar que as cabeças obtusas continuem produzindo, por lá, esses pequenos vexames.

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