São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Agora é a vez de São Paulo

THOMAS E. SKIDMORE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tanto Lula quanto Fernando Henrique representam uma categoria importante de brasileiros. Embora não sejam nascidos em São Paulo, eles fizeram suas carreiras nesse Estado. Fernando Henrique é um carioca transplantado. E é filho daquele prototípico profissional carioca: um general. Lula é um pernambucano transplantado, filho da empobrecida agricultura do Nordeste.
Esses dois paulistas não-nativos ascenderam para representar pólos diferentes de poder paulista. Lula, na liderança da maior classe trabalhadora industrial na América Latina. Fernando Henrique como cientista social respeitado na melhor universidade da América Latina.
Ambos representaram ameaças aos militares. Lula representava os trabalhadores, cujo poder (mais potencial do que real) é temido pelos militares desde a 1ª Guerra Mundial. Fernando Henrique representava a inteligência crítica que questionou o poder autoritário dos militares.
Ambos pagaram um preço por isso. Fernando Henrique foi perseguido e levado ao exílio, e mais tarde destituído de seu cargo de professor universitário. Lula transformou-se em alvo dos cães policiais e dos tribunais militares, que o arrastaram até a Amazônia para um julgamento.
Esta perseguição intensificou o temor sentido pelos militares em relação a São Paulo como foco de oposição. A derrubada de Goulart em 64, por exemplo, só pôde começar com a concordância do comandante do exército em São Paulo, Amaury Kruel. Durante o regime militar, o comando do 2º Exército foi considerado o mais sensível do país. Sem o controle de São Paulo os militares não podiam controlar o Brasil.
Se um desses dois for eleito –Lula ou Fernando Henrique–, ele será o primeiro presidente paulista desde 1930, com a exceção dos sete meses de Jânio Quadros em 1961. Por que tem sido tão difícil para um paulista chegar à Presidência nos últimos 60 anos? Em parte, por uma reação contra o domínio paulista na República Velha. E, o que é mais importante, pelo resultado de tentativas, deliberadas ou não, por parte da elite política não-paulista, de impedir que o Estado mais rico conquistasse o poder maior.
Quando pergunto a paulistas por que não são mais atuantes na política nacional, eles me dizem que é porque estão ocupados demais ganhando dinheiro. Ou que São Paulo não liga para quem seja o presidente, desde que detenha o Ministério da Fazenda. No entanto, o caos econômico dos últimos dez anos mostra que a economia depende de mais do que um ministério.
Não se trata de uma questão nova. Em 1932 São Paulo ergueu-se em revolta militar contra Getúlio Vargas. Perdeu, e a elite paulista se perguntou por quê. Ela decidiu que o futuro de São Paulo não estava nas armas, e sim nas idéias. O resultado foi a USP, criada com ajuda de uma missão francesa. São Paulo passaria a afirmar sua liderança com cérebros, não com canhões.
Seis décadas mais tarde, esse sonho talvez esteja se concretizando. E o sinal mais auspicioso é a falta de interesse dos militares em contestar o resultado da eleição. Talvez tenha chegado o dia em que o Brasil não precise mais temer um golpe e possa, em lugar disso, confiar em paulistas transplantados.
Um lembrete aos observadores das pesquisas de intenção de voto: Thomas Dewey foi eleito presidente dos EUA (pelas pesquisas) em 1958. Infelizmente as urnas não confirmaram sua vitória. Como disse Richard Nixon, a única pesquisa que importa é aquela feita no dia da eleição.

THOMAS ELLIOT SKIDMORE, 62, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), brasilianista desde 1961, é autor dos livros "Brasil: de Getúlio a Castelo" e "Brasil: de Castelo a Tancredo".
Tradução de Clara Allain

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