São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Acusados de racismo são absolvidos pela Justiça

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Constituição diz que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível. Mas, quase seis anos depois da sua promulgação, praticamente todos as ações penais movidas por crime de racismo em São Paulo absolveram os acusados.
A explicação para o fato tem duas vertentes. Em primeiro lugar, constatou-se que é muito difícil conseguir provas de que a conduta discriminatória resulta de preconceito de raça ou cor.
Em segundo lugar, as vítimas costumam confundir a figura penal e entram com o processo errado.
O erro mais comum ocorre com os xingamentos. A pessoa chamada de, por exemplo, "negra macaca", "judeu nojento" ou "preto ladrão", entra com ação por crime racial. Essas condutas são enquadradas como, respectivamente, injúria, difamação e calúnia.
Uma ação envolvendo uma mulher branca que chamou uma negra de "preta macaca" e disse que "preto quando não caga na entrada, caga na saída", foi julgada improcedente este ano pelo juiz da 8ª Vara Criminal, Paulo Petroni.
A sentença diz que a mulher branca teria cometido o crime de injúria, pois teria atingido a honra e a dignidade da vítima.
Caso semelhante foi julgado em maio pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ). Por unanimidade, o réu foi absolvido.
O acusado ofendeu uma mulher negra, chamando-a de"urubu" e de "macaca". Ela entrou com um processo baseado na lei que define os crimes de racismo.
Segundo o voto do relator do processo, desembargador Celso Limongi, a vítima tinha razão ao revoltar-se contra a conduta do acusado, mas deveria ter ajuizado ação penal por crime de injúria.
"Chamar alguém de 'preto macaco', para efeitos da legislação penal em vigor, é o mesmo que chamar de 'vagabundo', por exemplo. Representa um crime contra a honra, não um crime de discriminação racial", explica Limongi.
Para o advogado criminalista Alberto Toron, as duas decisões estão corretas. "A lei do racismo não prevê crimes contra a honra. Há ofensas que traduzem racismo e deveriam ter sido contempladas pela lei. Mas como não o foram, não resta alternativa para o Judiciário", argumenta.
A lei que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor restringe-se, basicamente, a criminalizar atitudes que impeçam o direito de ir e vir.
Por exemplo, pune aquele que negue emprego, aquele que impeça a entrada em lugar público, aquele que recuse matrícula em escola ou hospedagem em hotel.
"A lei do racismo é casuística. Prevê os casos um a um, de maneira específica. Ela deveria estabelecer cláusulas genéricas que pudessem abranger todas as hipóteses de discriminação", afirma Toron.
Segundo Luíza Nagib Eluf, promotora de Justiça, o racismo está muito presente no cotidiano brasileiro, mas é difícil de ser comprovado no Judiciário.
Ela cita o caso de um negro que quis alugar uma casa e lhe foi dito que o imóvel já havia sido alugado. Em seguida foi um branco e o imóvel estava vago.
"Não houve como provar que o imóvel não foi alugado ao negro por preconceito racial. A desculpa foi a de que o candidato que havia preenchido a vaga tinha desistido de alugar a casa", diz.
O mesmo acontece numa seleção profissional. É difícil provar que o candidato foi rejeitado por racismo e não por desqualificação.

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