São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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A ameaça está no patronato

LUÍS NASSIF

A grande ameaça ao Plano Real, nas próximas rodadas de negociação salarial, não está nos sindicatos, mas nos negociadores do setor privado.
Com exceção de alguns setores mais organizados, grassa uma desinformação alarmante, muitas vezes fruto de uma situação esdrúxula: os negociadores são beneficiários diretos dos resultados da negociação. Como funcionário da empresa, quanto mais alto o reajuste, mais alto seu salário.
Um segundo fator de distorção é a falta de empenho de muitos desses profissionais em se envolverem em negociações demoradas. O terceiro, é a desinformação pura e simples.
Em muitos setores, a estratégia de negociação não vai levar em conta que da última negociação até agora ocorreu uma troca de moeda. Substituiu-se uma moeda que se desvalorizava 35% ao mês por outra que se desvaloriza de 2% a 3% ao mês. Este fato muda radicalmente a estratégia de negociação.
Antigamente, o cálculo das perdas salariais dava-se em duas etapas. Na primeira, atualizava-se o valor do salário do último dissídio até o próximo, de acordo com os índices de inflação do período.
Depois, descontava-se desse total todos os reajustes concedidos no período. A diferença correspondia ao aumento a ser negociado.
Se se repetir essa metodologia agora, os salários obterão aumentos reais da ordem de 45%. É fácil constatar-se esse quadro.
Em novembro do ano passado, um salário que correspondesse a US$ 1.000,00, ao ser recebido 30 dias depois, valia US$ 735,00.
Tomando-se por base os índices de inflação e de reajuste salarial do período, nos primeiros quatro meses de vigência do contrato, o trabalhador receberia um salário médio de US$ 646,00.
Se se aplicar o antigo critério de recompor o salário pelo pico, em novembro de 1994 ele voltará a valer os US$ 1.000,00 iniciais.
Com inflação de, digamos, 3% no mês, 30 dias depois seu valor real estará em US$ 971,00.
Se se repetir esse índice de inflação por quatro meses, o valor médio do salário será de US$ 929,00, ou 44% a mais.
Perda geral
O método correto, para repor o valor médio dos salários, é aplicar a inflação pós-real nos salários atuais. Depois, negociar um plus que vise compensar a perda futura com a volta da inflação (que será menor do que no último período).
O salário no país merece aumentos sistemáticos e consistentes. Mas se se conceder aumentos instantâneos dessa ordem, o Cruzado 2 vai ser pinto perto do que vai ocorrer na economia, e o presumível ganho não durará dois meses.
Suponha uma empresa cuja folha de pagamentos corresponda a 50% de seu faturamento, outros fatores a 40% e o lucro a 10%.
Se se aprovar acordo salarial desse teor, a folha passa a representar 72% do faturamento. Com mais 40% de outros fatores, chega-se a 112% –ou 12% de prejuízo.
Qual a saída da empresa? A primeira, é tentar repassar para preços –e aí arrebenta com o palno. A segunda, é proceder a uma rotatividade dos trabalhadores ou redução do quadro. A terceira é fechar as portas.
Repito: essa visão distorcida é generalizada entre os negociadores privados. Se não se proceder a uma coordenação geral, a uma discussão técnica e isenta sobre a questão, inclusive com técnicos da área sindical, arrebenta-se com a estabilidade em dois tempos, e ninguém ganha com isso.
Ou as empresas e sindicatos colocam seus financeiros para orientar a discussão, ou vai ser reinaugurado o período inflacionário mais cedo do que se imagina.

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