São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Oswald bate à porta

DA REDAÇÃO

No dia em que fez 23 anos, chega de surpresa à casa de Ferreira Gullar, para cumprimentá-lo, o poeta Oswald de Andrade. Abaixo, ele recorda o primeiro encontro com o autor de "O Rei da Vela" e fala sobre sua amizade com o crítico Mário Pedrosa, influência decisiva no seu trabalho.

Folha - Corre uma história de que Oswald de Andrade um dia chegou de repente em sua casa no Rio para abraçá-lo.
Gullar - É verdade. Foi em 10 de setembro de 1953, quando eu completava 23 anos. Morava na Glória, no apartamento de uma namorada, quando a campainha soou e apareceu na porta o Oswald, acompanhado de Oliveira Bastos.
Não acreditei no que via. Oswald, então pouco considerado, era uma de minhas grandes admirações. Bastos sabia disso e levou para ele os originais de "A Luta Corporal", ainda inédito. Oswald disse que gostara muito de minha poesia e que por isso me trazia de presente dois livros seus. Um dos volumes continha "O Morto" e "O Rei da Vela" e o outro, "O Homem e o Cavalo".
Nasceu daí uma grande amizade, que infelizmente durou pouco, pois ele foi convidado em seguida para dar aulas numa universidade italiana.
Folha - E como foi seu primeiro contato com o crítico Mário Pedrosa?
Gullar - Eu ainda estava em São Luís quando a Lucy Teixeira levou a tese que o Mário Pedrosa estava apresentando como candidato à cátedra na Universidade do Rio. A tese era "Da natureza afetiva da forma na obra de arte" e se baseava na teoria da "gestalt".
Eu li e foi uma descoberta para mim. Achei formidável. Nunca tinha ouvido falar em "gestalt", mas discordei de uma coisa e escrevi para ele. Quando o conheci, ele falou assim: "Gostaria de conversar com você sobre as críticas à tese, que são pertinentes".
Folha - Qual era a sua discordância?
Gullar - Basicamente, era a seguinte: a teoria da "gestalt" afirma a expressividade da forma em si. A forma tem uma expressão, independente do que ela signifique. Eu concordava, mas quando isso era aplicado na arte, vinha a minha discordância. Porque nenhuma forma é pura.
A forma da qual a "gestalt" fala existe enquanto fenômeno de laboratório. Mas na vida, de fato, como na arte, as formas estão impregnadas de significado.
Então, a noção de boa forma que a "gestalt" sugere é incabível na arte, porque não existe boa forma na arte, nem melhor forma. Quer dizer, a forma que é boa num quadro não é boa no outro. É o conjunto das formas de significações e de relações formais e cromáticas que determina se aquela forma cabe ali ou não cabe.
Folha - Esse debate não seria o mesmo que você manteve em outros momentos de sua crítica?
Gullar - Sim. Não explicitamente, mas ele continuou, porque eu sempre defendi essa posição. A minha colocação diante das coisas sempre é muito concreta, muito ligada à vida, às relações.
Isso é uma coisa que, de certo modo, marca uma diferença entre o meu modo de pensar e do Mário, ao longo de nossa amizade, que foi sempre muito calorosa. E é preciso que se diga: com ele aprendi muito, sou seu discípulo, ele me ensinou a valorizar a arte.
Esse debate se ampliou muito quando lancei o movimento neoconcreto, que é uma posição contrária à que ele defendia da arte concreta. Porque ele foi praticamente a pessoa que lançou essas idéias da arte concreta no Brasil e se manteve até certa altura fiel a esses princípios, que o neoconcretismo veio questionar a partir dessa visão.
Folha - Então, do seu ponto de vista, o primeiro momento do concretismo está em Pedrosa?
Gullar - Sim, não digo que é só nele, mas está nele.
Continua nas págs. 6-6 e 6-7

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