São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Ex-soldado tem maior exército privado

FERNANDO ROSSETTI
ENVIADO ESPECIAL A PRETÓRIA

Mais conhecido na África do Sul como mercenário, Eeben Barlow se define como "soldado profissional". Seu trabalho consiste em participar de guerras ao lado de pessoas ou organizações que estejam dispostas a pagar por isso.
Diretor do que diz ser o maior exércitos privado do mundo, desenvolve este ano um programa de treinamento de militares em Angola que envolve US$ 40 milhões.
Nas décadas de 70 e 80, lutou contra o MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola), partido no poder. Desde 93, ajuda o MPLA na guerra contra a Unita.
Nascido no Zimbábue há 38 anos e radicado na África do Sul desde 1965, ele diz que não conta o número de pessoas que mata em combate. "Não é profissional".
Foi demitido em 1991 das Forças de Defesa da África do Sul, quando as mudanças no país levaram ao desmanche do setor onde trabalhava –o Escritório de Cooperação Civil, um braço autônomo do serviço de inteligência do regime do apartheid. Passou a se dedicar exclusivamente à sua empresa Executive Outcomes.
Concedeu entrevista à Folha em um bairro da periferia de Pretória, onde fica sua casa com piscina e escritório. Deu o endereço na noite anterior e disse que é sigiloso.

Folha - Qual é o serviço que o sr. presta a Angola?
Eeben Barlow - Começamos a trabalhar com as Forças Armadas em 1º de setembro do ano passado. Nossa missão era treinar, reestruturar, reequipar o Exército angolano e preparar bases para a integração da Unita nesse Exército.
O governo de Angola pensou, naquele momento, que chegaria a um acordo com a Unita, o que não ocorreu. Então, passamos a treinar as tropas que estão vencendo a luta contra a Unita.
Folha - Quantos homens o sr. tem lá trabalhando?
Barlow -Não posso revelar os números precisos, porque é uma informação que a Unita quer, mas tenho menos de mil homens lá.
Folha - Como começou?
Barlow - Nosso primeiro envolvimento como empresa privada ocorreu em fevereiro, março e abril de 1993, quando fomos chamados por uma companhia de petróleo para assegurar seus bens em Soyo (cidade na costa norte do país). Mandamos alguns de nosso homens e, assim que chegaram, a Unita começou a atacar.
Embora não soubéssemos na época, Soyo era o único porto que a Unita tinha para importar armas e exportar diamantes. Então, acabamos nos enfrentando.
Tínhamos cerca de 60 homens. Mas correram histórias de que éramos mais de mil, porque a Unita sofreu baixas terríveis.
Folha - O sr. também sofreu muitas baixas?
Barlow - Sim, morreram três homens. Mas afastamos a Unita.
Aí, nós terminamos o nosso contrato com a indústria e voltamos para a África do Sul. Em julho do ano passado, o Exército angolano nos contactou.
Era uma situação estranha, porque antes tínhamos lutado contra os angolanos, como um Exército (da África do Sul).
Houve o encontro com dois generais, que nos perguntaram se estaríamos preparados para combater por Angola e retreinar e reestruturar seu Exército.
Perguntei por que eles queriam que justo a Executive Outcomes fizesse isso. Um dos generais então disse que eles estavam completamente surpresos com o que nós éramos capazes de fazer com 60 homens e que, se eles tivessem 6.000 homens como aqueles, conseguiriam retomar Angola e pôr fim à guerra civil.
Folha - O sr. luta lá?
Barlow - Sim. Estávamos treinando o Exército angolano e a Unita começou a nos atacar novamente. Decidimos que, se a Unita nos atacasse mais uma vez e ferisse qualquer um dos nossos homens, nós nos daríamos o direito de realizar ataques preventivos.
Em outras palavras, se soubéssemos que eles estavam se preparando para nos atacar, nós atacaríamos primeiro.
Folha - Como fica sabendo quando eles vão atacar?
Barlow - Há generais da Unita que nos passam informações, porque querem que a guerra acabe.
Folha - A sua empresa está trabalhando em outros lugares, além de Angola?
Barlow - Estamos trabalhando em vários outros lugares, mas não posso revelar. Oito deles são na África. Angola é a maior operação em andamento.
Folha - Há outras organizações como a sua?
Barlow - Nós sabemos da existência de outras organizações como a nossa, mas em uma escala muito menor.
No Reino Unido eles têm várias. Há uma chamada KMS (Keanie Meanie Services), estabelecida por pessoas que eram das forças especiais do país, tem a DSL (Defence System Limited), entre outras.
Mas eu acho que somos a maior e a mais sofisticada no mundo no momento.
Folha - Há pessoas espionando o sr. atualmente?
Barlow - Sim, muitas. A Inteligência Militar da África do Sul, o Departamento de Assuntos Estrangeiro, a Unita.
Mas, felizmente, somos muito famosos entre os militares, ficamos sabendo o que eles estão fazendo. Na Unita, não temos agentes, eles simplesmente vêm e nos dão informações sobre o que vão fazer. Assim, não temos que aplicar técnicas de contra-espionagem.
Folha - O sr. anda armado?
Barlow - Não.
Folha - Tem guarda-costas?
Barlow - Eu tenho o meu pessoal que me protege todo o tempo.
Folha - Qual o volume de dinheiro com que o sr. lida anualmente?
Barlow - Só vou falar sobre o projeto em Angola, que vale US$ 40 milhões. É bastante dinheiro. Nós recebemos US$ 20 milhões como pagamento.
Pedimos os US$ 40 milhões para que o Ministério de Defesa tivesse um }pool de financiamentos. Assim, se precisarmos de equipamento, eles podem comprar.
Todo esse dinheiro é trazido para a África do Sul oficialmente e é pago através de conta corrente.
Folha - Nas guerras em que participou, o sr. já matou?
Barlow - Sim, matei.
Folha - O sr. contou?
Barlow - Não. Eu acho que como soldado profissional isso não é uma coisa considerada muito profissional. Se tentar contar, você vira um fanfarrão. Nós fazemos o serviço que temos de fazer e nosso serviço envolve matar pessoas.
Não consideramos nossa ação política, não agimos com ódio. Sempre acreditei que, se não houvesse políticos, eu não estaria em guerra com essas pessoas. Foi através da política que nós (sul-africanos) entramos na guerra com Angola.
Folha - Como o sr. explica o grande número de guerras civis que ocorrem na África?
Barlow - Minha opinião pessoal é que todos os países que colonizaram a África cuidaram de si mesmos e de suas pessoas e os habitantes colonizados nunca receberam muito.
Parte do problema com o colonialismo é que ele destruiu a estrutura de chefes que existia nas tribos. Antes do colonialismo havia guerras também, mas eram muito reduzidas, mais por desentendimentos, tipo }você roubou o meu gado e eu vou retomá-lo.
Com a chegada da era pós-colonial, várias facções começaram a se desenvolver, em termos de ideologia, a favor ou contra o Ocidente.
Gente com muito dinheiro alimentava essas guerras. Lembre-se de que, enquanto uma guerra está ocorrendo, podemos vender armas, munição, medicamentos ao país que vai ser devastado, e pode-se vender comida.
Folha - O que o sr. acha da }nova África do Sul?
Barlow - Eu acredito que o novo governo fará muito bem para a África, não só para a África do Sul. A eleição (em abril passado) foi um exemplo de uma eleição pacífica na África.
Embora o novo governo ainda tenha muito a aprender em certas áreas, porque nunca havia sido exposto a essas áreas, ele provará para a África como é possível administrar uma democracia e ter harmonia dentro de um país.
E olha que eu lutei contra o CNA (Congresso Nacional Africano, partido do presidente Nelson Mandela).

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