São Paulo, domingo, 28 de agosto de 1994
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Rompendo tradições

O corregedor-geral eleitoral notificou dois ministros para dar explicações sobre suspeitas de uso da máquina administrativa em favor do candidato do governo e o procurador-geral eleitoral pediu a abertura de inquérito sobre o caso. Não fazem, na verdade, mais do que sua obrigação básica e o fato de essa notícia causar surpresa –indício do seu ineditismo– revela muito da prática política no país.
O cidadão brasileiro de fato já como que se acostumou a ver, cada vez que um novo pleito se aproxima, diferentes governos se empenharem na campanha dos seus favoritos, seja adequando seus planos ao calendário eleitoral, seja usando de recursos ou funcionários públicos para esse fim. De tão corriqueira –de tão impune–, essa infração tornou-se uma triste realidade do jogo político.
Nesse sentido, ao romper com essa deplorável tradição de assalto ao patrimônio da população, a movimentação no âmbito da Justiça Eleitoral é sem dúvida bem-vinda, embora tardia. Espera-se, aliás, que o acompanhamento atento e rigoroso das campanhas seja dispensado a todos os níveis de governo.
Há uma ressalva importante que cumpre fazer quando se trata do tema que é a de que governos em todo o mundo têm seus candidatos –isso só não é frequente aqui no plano federal dada a instável história política do país. Como bem ressaltou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, José Paulo Sepúlveda Pertence, o problema não é a "manifestação política de governantes", mas sim a "utilização indevida da máquina administrativa" para favorecer um candidato.
Outro ponto crucial que precisa ser melhor elaborado refere-se à responsabilidade pelo uso indevido da máquina e à punição a ser aplicada. É evidente que, provado o delito, o administrador público deve ser punido. É ele que se vale da posição para desviar recursos da população. Muito mais complexa, porém, é a punição do candidato teoricamente beneficiado pela infração. Considerá-lo automaticamente como culpado e passível de punição –independentemente de comprovação do envolvimento– é não só injusto como perigoso, abrindo frente para manipulações que colocariam em risco qualquer candidatura. Obviamente a situação se altera se houver prova de participação também do candidato.
De todo modo, é sem dúvida saudável e necessário que finalmente se comece a fiscalizar os mandatários brasileiros quanto à prática deploravelmente tradicional de abusar da estrutura do poder público e dos recursos do contribuinte em seu próprio benefício e de seus apaniguados.

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