São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 1994
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Um Brasil que torce pelo Brasil

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um frentista me perguntou em quem eu ia votar. "Eu vou estar fora", respondi, "mas votaria no Lula". Ele me olhou com desprezo, e afirmou convicto: "o Lula, se eleito, vai acabar com o Real. Volta a moeda antiga e a inflação. O outro é melhor".
Estamos assistindo à uma inédita unanimidade. Nunca a imprensa brasileira esteve toda ela apoiando um mesmo candidato.
FHC tem a faca e o queijo na mão; e a Globo, o SBT, os analistas econômicos e os comentaristas políticos. FHC não é apenas um candidato. Transformou-se em um estado de espírito. FHC é o Brasil otimista que há muito não se via.
A posição se inverteu em três meses. Pelo Datafolha, no começo de maio, Lula tinha 42% da intenção de voto estimulada. FHC tinha 16%. Foi o maior índice que Lula alcançou, e dava-se como certa sua vitória no primeiro turno.
A pesquisa foi realizada um dia após a morte de Senna. "O que tínhamos de melhor se foi. Resta-nos aceitar o que está escrito: o Brasil não sai do abismo", era o sentimento nas ruas.
Mas em julho veio o frio, o Cruzado, digo o Real, o ouro no basquete feminino e o tetra. Lula despenca, FHC sobe, até a posição se inverter no começo de agosto, com FHC liderando.
Sente-se, nas ruas, a possibilidade de o Brasil sair do buraco em que se meteu há 30 anos. Os mais exaltados anunciam: "saímos da recessão". Já chamam Itamar de grande estadista, Ricupero é a voz da coerência e FHC a solução.
A gasolina está barata, o pãozinho, de graça e tudo parece um sonho: poucos aumentos, poucos zeros. Não é possível que se acredite que uma simples medida provisória cure um país?
É uma pena o que se faz com o voto. Um empresário cultural daqui de São Paulo declarou que votaria em Quércia porque é o único que tem uma "política cultural". Que umbigo!
Hipoteticamente: candidato fulano é desonesto, autoritário, acusado de enriquecimento ilícito, está cercado pela escória da fisiologia, mas tem política cultural. Vota-se nele?
Minha avó tem política cultural, política para a saúde, para o problema da habitação, do desemprego, da distribuição de renda, resolve a violência urbana, não baba e não ronca. Vote nela!

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