São Paulo, quarta-feira, 31 de agosto de 1994
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O plano cemitério

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Não é preciso ser PhD em Harvard para desconfiar que um dos objetivos centrais de qualquer economia sadia é produzir bens e serviços. Em consequência, qualquer economia sadia delira de alegria quando há consumo, até porque quem produz alguma coisa o faz para que seja consumida. Quanto mais e mais depressa, melhor.
No Brasil, não é assim. Basta o consumo aumentar um tiquinho de nada e pimba, lá vem o governo com "medidas anticonsumo", para usar o título da primeira página da Folha de ontem.
Se tivesse havido uma explosão consumista, ainda vá lá que o governo corresse atrás dos pecadores. Mas, na mesma Folha de ontem, há um quadrinho mostrando o reduzido nível de atividade econômica do primeiro semestre. Caíram, em relação ao primeiro semestre de 1993, o valor total das vendas, o pessoal empregado e as horas trabalhadas na produção. Os dados referem-se ao comércio da Grande São Paulo, o principal do país, de longe.
Olhe-se agora para o lado do crediário. Uma das principais atrações da estabilidade da moeda seria exatamente o fato de se poder comprar a crédito. Em qualquer economia saudável (e até não muito saudável), não são muitos os consumidores que podem comprar determinados bens à vista. O crediário é o principal instrumento para se adquirir uma série de produtos.
No Brasil, nem isso. Bastou o crediário voltar a ser utilizado, em função da brecada na inflação, e o governo já acena com medidas punitivas.
Fica a nítida sensação de que o plano econômico é ótimo, mas para um cemitério. Se alguma coisa se mexer na economia, o plano naufraga. Se aumentar o consumo, quebra o plano. Se aumentarem os salários, o plano também quebra, porque haverá crescimento inevitável do consumo, ainda mais em um país de demanda tão fortemente reprimida pela formidável crise dos últimos muitos anos. Se aumentarem as tarifas públicas, o plano quebra.
Parece o plano "é proibido permitir". Por quanto tempo pode se prolongar essa paz dos cemitérios? Vai ser proibido sempre consumir? Abrir crediário? Aumentar tarifas, uma das formas mais óbvias de se permitir investimentos das estatais?

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