São Paulo, quinta-feira, 1 de setembro de 1994
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As indústrias de café e o mercado consumidor

JOSÉ CARLOS DA SILVA JÚNIOR
O tema "café" tem gerado muita controvérsia e revelado falta de informação de grande parte daqueles que se dizem conhecedores do assunto. A quebra que a safra do próximo ano terá em decorrência das recentes geadas, por exemplo, tem servido de bandeja para opiniões das mais absurdas, como a idéia de que o mercado consumidor brasileiro, o segundo maior do mundo, deverá ser relegado em favor do mercado internacional, para que os preços sejam mantidos em alta e a lavoura não corra risos. E isso, apregoam, em defesa dos legítimos interesses nacionais! Como se o nosso consumidor não fosse também de interesse da nação...
Acontece que a grande maioria desses "experts" se esquece que hoje o interesse maior da sociedade brasileira é o sucesso do Plano Real. Dentro disso, a própria alta dos preços do café verde passa a ser contrária à meta de estabilização da economia, pois inflacionaria o produto industrializado para o consumidor.
Daí ser acertado o programa do governo de liberar paulatinamente os estoques públicos de café, de forma a assegurar ao consumidor não apenas preço mas abastecimento.
Mas a realização dos leilões é um prato cheio para os "experts". Muitos, talvez por desconhecimento, acham que o preço de leilão, por exemplo, deve ser o mesmo do preço do mercado.
Ora, basta o mínimo de raciocínio para perceber que: 1) se o preço for o mesmo, não há necessidade de leilão; 2) o estoque público de café é um estoque estratégico, para ser usado a fim de regular o mercado em épocas de escassez e de altas artificiais; 3) jamais um café estocado em média há oito ou dez anos, e portanto um café desmerecido, poderá ter a mesma cotação de um café novo, colhido recentemente.
Outro aspecto polêmico é a realização dos leilões para as indústrias de café. Por que só para elas? Poucos parecem se lembrar que o café verde tem um grande peso no custo do café industrializado. Como poderia a indústria abastecer o mercado com a alta vertiginosa que o preço do café teve e está tendo desde o início deste ano?
A decisão do governo de realizar leilões é, portanto, extremamente justa para o consumidor brasileiro. Afinal, por que é que ele, morando no país que é o maior produtor mundial de café e que possui um estoque público de 17 milhões de sacas, haveria de pagar um custo altíssimo por um produto que faz parte de seu dia-a-dia, principalmente para as populações de baixa renda?
Além disso o consumidor brasileiro vem sendo beneficiado, apesar de muitos dizerem ao contrário. Primeiro, porque só os leilões, mesmo com as altas verificadas, puderam garantir abastecimento. Segundo, porque a indústria, ciente de seu compromisso para com o plano de estabilização, vem mantendo o preço do quilo do café industrializado em torno de R$ 6,00 desde maio (base São Paulo, cujo ICMS é de 18%).
É importante notar que esse preço do café na indústria não foi alterado nem mesmo com as duas geadas ocorridas em junho, que atingiram grande parte da lavoura do Paraná, São Paulo e Minas Gerais e impulsionaram os preços para cima, inclusive os de leilão.
Deve-se lembrar que a garantia desse preço médio pelas indústrias foi possibilitada pela forma transparente e democrática com que os leilões públicos vêm sendo realizados: de pequenas quantias e de realização periódica, permitindo o abastecimento do mercado interno e inibindo qualquer manipulação ou interferência nas cotações internacionais.
É, portanto, um grande equívoco pensar em leilão geral, onde são ofertadas grandes quantias, pois, aí sim, corre-se o risco de deprimir os preços internacionais.
Torna-se portanto fundamental que o governo mantenha seu programa de leiloar para as indústrias de café torrado e moído, a partir de setembro e até meados de maio do próximo ano, as 5 milhões de sacas anteriormente anunciadas. Esse período será de maior escassez, podendo comprometer ainda mais o mercado consumidor interno.
Para aqueles que continuam gerando polêmica e falando alto demais, valem mais dois lembretes.
Primeiro, o fato de que a lavoura sempre definiu como um preço remunerador a saca de café estar cotada em US$ 70. Hoje, essa mesma saca custa em torno de US$ 150 e US$ 170, o que é, portanto, altamente remunerador e capaz de cobrir os prejuízos de safras passadas.
Um segundo lembrete refere-se ao resultado da reunião da APPC (Associação dos Países Produtores de Café), realizado em junho em Brasília. Nesse encontro, todos foram unânimes em achar que a saca de café cotada a US$ 200 ou US$ 250 inibiria o mercado consumidor internacional, sendo portanto acertada a realização dos leilões pelo Brasil, como uma forma não só de garantir o abastecimento interno, mas também, de frear a alta especulativa do produto.
Além, é claro, de frear uma nova "superprodução" mundial de café, porque o preço alto, se de imediato é positivo, a médio prazo é negativo pois incentiva o plantio excessivo de café, fazendo com que os preços despenquem.

JOSÉ CARLOS DA SILVA JÚNIOR, 60, industrial de café, é 1º vice-presidente da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café).

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