São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Trakl transforma grito em geometria
MODESTO CARONE
Os textos selecionados para esta primeira edição brasileira de Georg Trakl figuram entre os mais representativos do poeta. Mas o seu número é reduzido demais, faltando na coletânea pelo menos duas ou três dezenas de poemas que hoje têm livre trânsito na poesia mundial. Para lembrar apenas alguns dos mais célebres, basta citar "Trompeten" (Clarins), musicado por Arnold Schoenberg, "Ein Winterabend" (Um Anoitecer de Inverno), que consta de qualquer antologia exigente do verso alemão, "Die Nacht" (A Noite), que dialoga com um quadro (A Noiva do Vento) de Oskar Kokoshka, amigo do poeta, e o mais denso, dramático e autobiográfico dos quatro poemas em prosa traklianos: "Traum und Umnachtung" (Sonho e Demência), que vale como síntese poética e existencial do autor e compete em energia e forma resolvida com os textos congêneres de Rimbaud. A limitação da escolha é explicada pela organizadora, que numa nota preliminar afirma ter posto de lado peças que seriam sacrificadas na passagem do original para a língua portuguesa. Os poemas rimados são certamente os que oferecem maior resistência à tradução, mas a famosa "dicção escarpada", de linhagem hoelderliniana, dos poemas sem rima publicados em 1914 na revista "Der Brenner", também constitui um obstáculo considerável que raramente cede aos avanços de quem traduz. A situação é outra no que diz respeito ao verso livre dos textos de "Poemas" (1913) e "Sebastian em Sonho" (publicado em 1915), onde a transposição quase literal das imagens é possível, mas muitas vezes ao preço de perder os seus valores musicais mais relevantes. É o que acontece em muitos textos deste volume, nos quais o verso ao mesmo tempo retesado e maleável de Trakl não encontra intensidade nem modulação equivalentes em português. Caso semelhante é o da metáfora de agravamento que especializa o poeta e exige do tradutor um empenho contínuo, além do estilo paratático que não pode ser contornado sem prejuízo da composição em mosaico. Acresce o problema da recorrência programada das "peças móveis" ou partes itinerantes de expressão que migram de um poema para outro ("a presa", "o animal", "o anjo" etc.) e funcionam como elementos de um caleidoscópio que pedem o cuidado da padronização. O mesmo tratamento cabe aos personagens genéricos ou nomeados da obra madura (irmã, pai, o estrangeiro, Elis, Helian, entre outros). A questão dos nomes próprios é contígua: ainda que fosse só para facilitar a aclimatação, não parece uma boa partilha traduzi-los, sobretudo se a solução for a versão explicativa, como por exemplo "vento quente" para "Foehn", designação específica de um vento alpino tão conhecido na Áustria como o siroco ou o mistral no Mediterrâneo e na Europa continental. Fica claro porém que nada disso invalida o trabalho da tradutora, que é honesto, paciente, meticuloso e, no âmbito restrito que se impôs, tem o mérito inegável de colocar 28 poemas de um grande poeta deste século à disposição do leitor brasileiro. Texto Anterior: Anatomia da guerra nas ruas do Rio Próximo Texto: DE PRONDIS; ZU ABEND MEIN HERZ Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |