São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Vacina anti-Aids "antiquada" tem bom resultado

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vacina anti-Aids 'antiquada' tem bom resultado
Há muito se preparam vacinas contra vírus usando como material imunizante o próprio vírus atenuado ou inativado. Emprega-se, por exemplo, vírus atenuado na vacina contra a raiva e na antipólio oral (a conhecida Sabin) e inativo na antipólio Salk.
Nas vacinas que se estão preparando contra a Aids a maioria dos especialistas têm seguido outro caminho, o da biotecnologia, utilizando fragmentos protéicos do vírus. Ambos os sistemas baseiam-se no mesmo princípio básico, que consiste em "enganar" o organismo apresentando-lhe alteração do vírus ou suas proteínas, na esperança de, por esse "engano", estimular as defesas.
Teoricamente os vírus atenuados levam sobre as proteínas isoladas a vantagem de provocar uma verdadeira infecção, embora a replicação do vírus seja moderada, despertando, pois, mais ativamente o potencial defensivo específico do organismo.
Recentemente vários cientistas têm proposto, entretanto, o abandono dos refinados métodos biotecnológicos, em favor dos "velhos" processos que usam vírus atenuado ou mesmo inativado por meios físicos, químicos, ou ainda genéticos. O motivo desse fato reside no mau funcionamento dos "novos" métodos e no sucesso obtido experimentalmente com uma vacina geneticamente inativada descrita por Ronald Desrosiers em "Science" (258, 1.398). É verdade que suas experiências foram feitas com o vírus SIV (do macaco), que é muito próximo do HIV, que produz a Aids, e tiveram grande êxito.
Foi por acaso que Desrosiers e seus colaboradores toparam com a possibilidade de preparar a vacina. Eles estavam na verdade estudando o efeito da supressão de certos genes para melhor conhecer a maneira de ação do vírus. Haviam preparado amostra muito virulenta de SIV, na qual faltava um certo gene "nef". Três anos após injetaram seis macacos "rhesus" com o vírus deficiente e observaram que estes sobreviviam, enquanto seis outros, injetados com o vírus íntegro, morriam. Isso lhes deu a idéia de haverem descoberto um novo tipo de vacina, com vírus atenuado e, portanto, do "velho tipo".
Para apurar se de fato a supressão do "nef" tornara o vírus inócuo, os cientistas injetaram pequenas doses do SIV ativo em quatro dos macacos "vacinados" e quatro controles, que não tinham sido vacinados. Em 36 dias os controles estavam doentes ou mortos, ao passo que os "vacinados" permaneciam vivos. No sangue desses animais, não se encontrou o menor vestígio do vírus SIV. Repetidas as experiências com doses maiores do vírus ativo, os resultados foram semelhantes.
É preciso todavia esclarecer que dessas experiências com o SIV até a obtenção de vacina ativa contra o HIV, o vírus humano, decorrerá prazo muito longo.
Os laboratórios industriais que estão trabalhando com as "novas técnicas" (fragmentos de proteína, em particular a gp60 e a gp120), preferiram continuar em sua linha de pesquisa, não adotando a técnica descoberta por Desrosiers, que todavia é mantida sob observação especialmente para as eventuais medidas de cautela. Por outro lado, Desrosiers e os que o apoiam, costumam alegar que as vacinas preparadas segundo as novas e refinadas técnicas decididamente não funcionam, e prevêem que no futuro os opositores se bandearão para as "velhas técnicas".
Ninguém contesta que não seria fácil a aplicação do SIV no preparo de vacinas contra o HIV, mesmo porque, embora os vírus sejam muito próximos, o SIV se replica de maneira muito rápida e intensa, enquanto o HIV é lento e de ação comparável a fogo morto. Desrosiers por sua vez pretende utilizar vários vírus, com vários genes atenuantes em lugar da supressão de apenas o "nef".

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