São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Violência por inteiro

Pode-se afirmar sem medo de errar que um dos temas que mais têm sido tratados pelos candidatos a todos os cargos eletivos –da Presidência às Assembléias Legislativas– é o da segurança. A violência que marca o cotidiano das grandes metrópoles e, hoje, até de cidades médias tornou-se tão profunda e traumatizante que não poderia ficar à margem de uma eleição praticamente geral como a deste ano.
O problema é que a maioria das propostas apresentadas peca pelo simplismo, misturado a um viés ideológico, à direita e à esquerda.
A esquerda põe a culpa da violência na miséria. É apenas parte da verdade. Países em que o grau de miséria é bem menor do que no Brasil (como os EUA) também têm problemas gravíssimos de violência. Ou, em outras palavras, o grau de miséria não é necessariamente igual ao grau de violência urbana. Mesmo se fosse, resolver a questão da miséria demanda tempo demais para que se possa esperar até lá para enfrentar a violência.
A direita, por sua vez, clama por mais policiais e equipamentos mais modernos. Seria ótimo, de fato, se se pudesse rapidamente transformar as forças policiais brasileiras em uma instituição modelo. Mas a virtual falência do Estado, no plano federal e no estadual, também sugere que vai levar tempo demais para reequipar a polícia e, por esse caminho, conter a violência. Igualmente, se não mais, necessário é o trabalho de depuração moral das forças de segurança. É notório o envolvimento de muitos policiais com atividades criminosas.
A verdade é que o tema segurança pública demanda, hoje, uma análise muito mais profunda do que tais simplismos podem oferecer. Há nela um componente social importante, sem dúvida, assim como há carências enormes na polícia. Mas há outros elementos que não podem ficar de fora na avaliação.
Um deles é até cultural. A cultura da violência incorporou-se ao mundo moderno, que a reproduz em escala crescente. Além disso, estudos norte-americanos mostram que filhos de famílias de um só chefe (o pai ou a mãe) têm maior chance de ingressar na criminalidade.
E não se pode esquecer, nesta listagem apenas sumária, o fato de que o crime organizado tornou-se, pouco a pouco, um meganegócio, que movimenta bilhões de dólares e naturalmente envolve um número crescente de pessoas. Pode-se lamentar que seja assim, mas seria ingênuo supor que certos seres humanos, dada a possibilidade de ganhar rapidamente muito dinheiro com o tráfico de drogas, por exemplo, prefiram ganhar pouco dinheiro, e mais lentamente, com atividades não-criminosas.
Enfim, a violência é um problema que exige um enfoque multidisciplinar que vá muito além dos simplismos típicos de campanha eleitoral. O fato de ter-se tornado recorrente nos discursos dos candidatos só evidencia o quanto preocupa a sociedade. Mas é cruel enganá-la com enfoques superficiais.

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