São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Irrecuperável

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO -Até a manhã de ontem, Rubens Ricupero continuava ministro da Fazenda, passadas umas 36 horas de suas escandalosas declarações à Rede Globo, captadas apenas pelas parabólicas. Em um país minimamente sério, qualquer autoridade que tivesse dito coisas até menos graves estaria demitida, pela telefone, meia hora depois de o fato vir a público.
No Brasil, bem, o Brasil é o Brasil.
O ministro disse à Folha que foi uma "tolice". Não, não foi. Tolice a gente diz quando está de cabeça quente, sob pressão ou diante de um interrogatório cerrado. Jamais em conversa entre amigos, como o foi a "entrevista" com o jornalista Carlos Monforte.
O que o ministro fez nos estúdios da Globo foi dizer exatamente o que pensa. Sorte que só foi captado por um punhado de telespectadores e, espero, nenhum deles menor de idade. Porque a franqueza cínica com que Ricupero se expressou permite que se desconfie dos homens públicos brasileiros em geral.
Quem viu o ministro ou leu ontem na Folha as suas declarações só pode estar autorizado, doravante, a imaginar que cada vez que uma autoridade aparece na TV em pronunciamentos ou entrevistas está apenas fazendo pose, dizendo o que não pensa, inventando notícias (a suposta queda de preço da gasolina) para abafar notícias verdadeiras (o IPC-r de agosto).
Seria até interessante que todas as principais figuras públicas do país se submetessem ao mesmo teste. Falar diante das câmeras sem nenhuma censura, como o fez Ricupero. Seria um strip-tease mental que transformaria em conto de fadas todos os filmes pornográficos que o mundo já produziu.
Na Espanha, aliás, uns meses atrás, o líder regional do conservador PP (Partido Popular) foi flagrado em circunstâncias mais ou menos semelhantes. Uma conversa sua pelo celular foi captada por gravadores insdiscretos. À certa altura, o político dizia que entrara na vida pública para "forrar-se", gíria local que dispensa tradução, tão óbvio é o significado.
Pelo menos lá a franqueza foi devidamente punida e o cidadão afastado do partido.

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