São Paulo, domingo, 4 de setembro de 1994
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Novidades

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Era no tempo em que os animais falavam –não tão distante assim, pois há animais que continuam falando. Sendo mais preciso, era nos dias mais antigos do passado, quando havia pela cidade os chamados "tipos populares". Apesar de os jornais tirarem três edições diárias, as notícias mais quentes vinham desses caras que andavam pelas ruas e informavam o que havia acontecido, o que estava acontecendo e o que deveria acontecer.
Lembro de um deles, conhecido pelo óbvio nome de Novidades. Ele sabia tudo e anunciava parte do que sabia. Era diferente dos outros porque só falava se perguntado. O Ventania, por exemplo, era desacreditado porque falava sem ser inquirido. O Novidades valorizava o silêncio, mas nunca se ouviu dizer que deixasse pergunta sem resposta.
Suas informações eram genéricas. Anunciava o fim do mundo ao menos uma vez por mês. Revelava o bicho que ia dar naquela tarde –e como variava as respostas, sempre acertava algum. Seu forte era se ia chover ou não. Tinha fama de infalível nessa questão, o que não era vantagem, pois a concorrência limitava-se ao serviço de meteorologia.
Eu o conheci em altíssimo astral como portador de novidades. Certa vez, perguntei-lhe o que eu seria quando crescesse e ele acertou na mosca: "Você nunca vai crescer!". Na hora, não entendi direito. Hoje, compreendo, mas é tarde. Apesar de tudo, Novidades caiu em desgraça. Houve um escândalo na rua, a mulher do Sacadura havia fugido com um garçom da Confeitaria Lallet. Sacadura entrou em crise, apelou para a macumba, para a polícia e, finalmente, para o Novidades. Em vez de responder, o Novidades avançou para o Sacadura, aos gritos: "E como é que você deixou que ela fosse embora?"
O povo, como no tempos bíblicos, tirou suas conclusões. Se Novidades também era freguês da mulher do Sacadura, deveria saber que ela fugiria com o garçom da Lallet. Logo, Novidades não sabia nada, era um sacador –quase o mesmo que Sacadura. A última vez que vi o Novidades ele anunciava um plano para salvar o Brasil.

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