São Paulo, sábado, 10 de setembro de 1994
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Lucros e votos

Gilberto Dimenstein
BRASÍLIA – Li e reli as notícias sobre o pacto de empresários para manter os preços estáveis até o final do ano. Confesso: não entendi. Ou, quem sabe, tenha entendido demais.
Primeira pergunta: por que, afinal, só até o final do ano? De onde se tirou esse prazo? Como o empresário brasileiro está acima de qualquer suspeita, imagino que cometeria, aqui, um sacrilégio se, mesmo de raspão, insinuasse qualquer ligação com a disputa presidencial.
Segunda pergunta: por que eles pedem, em troca, redução de impostos? Eles se propõem a segurar os preços (o que é uma dúvida) por dois meses –mas, em compensação, querem uma redução de impostos que dura para sempre. Isso num país em que os níveis de sonegação são devastadores.
Duas hipóteses: 1) o plano dá certo, a inflação cai porque o governo controla seus gastos e não emite moeda. Logo, não existe necessidade de acordo de preços até o final do ano; 2) o plano dá errado, o governo perde o controle de seus gastos, aumenta a emissão de moeda. Logo, não adianta acordo de preços.
Pelo jeito, os empresários querem eleger um candidato usando um artifício –o que, diga-se, não tem nenhum crime. Isso porque não podemos classificar encenação de crime. O problema é tentar eleger um candidato e, ainda por cima, obter redução de impostos. Ou seja, todos pagam.
Mais uma hipótese: não existe nenhum acordo. É apenas um meio de criar um fato político e passar a idéia de que a estabilidade está ao lado do governo e, portanto, de seu candidato. Todos sabem como é difícil o empresário controlar os preços dos empresários.
E para não perder tempo, aproveitam e cobram pelo lance de marketing, exigindo menos impostos e menos juros. A julgar pela amplitude de visão do empresariado brasileiro, habitualmente preso a favores e retorno de curto prazo, fico com essa última hipótese.
PS – Claro que só pode ser coincidência o fato de a proposta ter sido lançada quando não está mais tão certa a derrota de Lula logo no primeiro turno.

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