São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
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O muro da história

Por mais tímido e lento que seja, por mais recuos e vaivéns a que esteja sujeito, o processo de depuração dos costumes políticos no país continua a desafiar os mais céticos.
A cassação da candidatura ao Senado do atual presidente do Congresso, Humberto Lucena, é um saudável avanço nesse sentido. Expressa as exigências crescentes da sociedade quanto aos padrões de exercício da função pública. Práticas corriqueiras na história política nacional começam –ainda que isoladamente– a ser condenadas e combatidas de modo mais eficaz.
Parlamentar de projeção, Lucena parece contudo não ter tido a sensibilidade para compreender a magnitude das mudanças em curso. Usando um esquema a que outros sem dúvida já devem ter recorrido, imprimiu na gráfica do Senado calendários com seu nome e foto. Tal era a despreocupação quanto ao ato que os enviou –também à custa do contribuinte– até mesmo para um juiz, que acabou denunciando a irregularidade.
Aquilo que antes era visto com naturalidade por muitos políticos foi agora acertadamente considerado pelo Tribunal Superior Eleitoral como uso de recursos públicos com fins eleitorais e custou a Lucena a candidatura e a elegibilidade pelos próximos três anos. O senador estuda se irá recorrer da decisão.
Ninguém ignora de todo modo que esse tipo de prática arraigada continua a ocorrer com frequência. O caso de Lucena, justamente por ser tão exemplar, não pode permanecer isolado. É preciso que se mantenha uma vigilância rigorosa sobre outras acusações de desvio de dinheiro da população com intenções eleitorais –seja no Legislativo, seja no Executivo.
Como se o antigo coronelismo ainda vigesse por inteiro, como se todas as autoridades ainda tivessem o total domínio da impunidade, como se moralidade ainda fosse uma demanda inteiramente acadêmica, Humberto Lucena tentou reeditar, de forma escancarada, as mesmas práticas de sempre. Chocou-se contra o muro da história.

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