São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 1994
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Mecenato de repartição

Um velho chiste adverte que quando se fala em cultura é bom colocar as mãos nos bolsos porque será necessário gastar dinheiro. Ele vem à mente a propósito do que acontece hoje na área cultural no Brasil e suscita uma dúvida: até que ponto o Estado deve destinar dinheiro à "cultura" (com tudo de vago que ela significa) dadas as necessidades prementes que estão por ser atendidas. É temerária qualquer resposta simplista.
Mas a crise geral do Estado acaba provocando, nessa área, uma espécie de pacto da mediocridade, e os governos acabam investindo mal os parcos recursos de que dispõem para o setor. A reportagem sobre orquestras brasileiras publicada nesta Folha esta semana, dentro da série "Cultura em crise", ilustra essa situação. Na maior parte dos casos, o que se constata são reclamações salariais, infra-estrutura deficiente e baixa qualidade artística.
A destinar-se dinheiro do contribuinte à cultura, seria desejável que tais recursos fossem dirigidos a iniciativas que acrescentassem algo à qualidade da produção artística no país, e não que gerassem situações que lembram um roteiro felliniano, como o caso de operações-tartaruga em orquestras públicas.
Deve-se assinalar que iniciativas bem-sucedidas no campo cultural parecem surgir quando o projeto se aproxima das necessidades da comunidade e procura o apoio de empresas locais. A idéia de se transformarem as orquestras em fundações autônomas, abertas a parcerias com a iniciativa privada, aponta numa direção correta, uma vez que acena com a possibilidade de recursos voluntários da sociedade. Outro aspecto positivo de propostas nesse sentido é a possibilidade de escapar dos vícios politiqueiros e burocráticos que caracterizam a administração estatal no país.
O setor público brasileiro, que sabidamente precisa passar por uma ampla reforma, deve se eximir de ações desastradas também na esfera cultural. Num momento em que eficiência é necessidade, não pode se dar ao luxo de fazer uma espécie de mecenato de repartição.

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