São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Ensacando mendigos

MOACYR SCLIAR

– Aquela história do garoto que se meteu no saco de lixo e foi morto pelo caminhão é muito triste –disse ele. Fez uma pausa e acrescentou: – Mas dá uma idéia que não é de todo má.
– Que idéia? –perguntei. Conhecendo seu autoritarismo, sua insensibilidade, eu podia esperar o pior. Mas afinal é preciso deixar as pessoas falar.
– Sacos. Sacos para dormir. Não sacos de lixo, sacos plásticos como aquele do garoto. Não; sacos de dormir verdadeiros, acolchoados, confortáveis. E com uma marca fosforescente para serem identificados mesmo à noite.
– Identificados? Para quê?
Ele sorriu:
– Pois esta é a idéia. Numa semana, um caminhão percorreria a cidade distribuindo sacos para os mendigos e explicando a eles que dormir desta maneira é muito melhor do que se cobrir com jornal ou com um cobertor rasgado. Claro que eles aceitariam a ponderação. São mendigos, mas não são idiotas. E aí, na semana seguinte...
Fez outra pausa, gozando o suspense:
– Os caminhões passariam e recolheriam os mendigos, devidamente ensacados. Uma manobra fácil, rápida. Em poucas horas as ruas estariam livre desta praga.
Eu ia indagar o que pretendia ele fazer com os mendigos, mas resolvi ficar quieto. Vocês sabem, a imagem dos fornos crematórios ainda está muito viva em minha lembrança.

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