São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Direito estabelece limites éticos da comunicação

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Dois respeitáveis autores trataram, esta semana, do vale sombrio que existe entre as alturas das garantias jurídicas da liberdade plena na comunicação social e a relevância dos direitos humanos quanto à vida, à honra, à imagem e à intimidade das pessoas. Cada um a seu modo, aqueles escritores trataram da contraposição (quase oposição) entre as garantias dos dois lados, ambas previstas na Constituição, separadas por profundas escarpas de insegurança e de incerteza.
Num comentário sob o título "As culpas da imprensa", nesta Folha, Gilberto Dimenstein tratou das muitas notícias sobre a denúncia constante e interminável das mais variadas irregularidades atribuídas pelos meios de comunicação a órgãos, empresas e pessoas. Disse Dimenstein: "empanturrados, os leitores, ouvintes ou telespectadores mostram-se dispostos a acreditar em qualquer coisa que respalde sua convicção de que a vida pública é suja. Mas, ao mesmo tempo, acabam não dando atenção a nada –o que, convenhamos, é uma deseducação."
Também nesta semana, no número 705 da "Revista dos Tribunais", há um cuidadoso estudo de Rodolfo de Camargo Mancuso, intitulado "Interesse difuso à programação televisiva de boa qualidade, e sua tutela jurisdicional". Estendendo-se sobre um campo mais amplo e centrado na preocupação com o direito, o texto de Mancuso tem pontos de coincidência com as aflições de Dimenstein.
Mancuso, cuja obra jurídica, sobretudo na área da ação civil pública, é das mais importantes na literatura jurídica brasileira, anota que não há conflito entre a liberdade de expressão e a vedação constitucional à censura prévia. A mídia, sobretudo a eletrônica, tem obrigação de observar um mínimo ético e um padrão básico de qualidade. A lei vigente, acrescenta ele, "oferece remédios processuais hábeis à prevenção ou à reparação de lesão àquele interesse que está esparso pela sociedade civil como um todo."
Dimenstein põe força, em sua crítica, à deseducação que resulta da mania das denúncias, na medida em que estas dão tratamento igual às questões transcendentais e a episódios menores, com pouco ou nenhum interesse para a sociedade. Mancuso acredita que a ação civil pública seja um dos caminhos para assegurar a preservação dos valores éticos da programação eletrônica, sem entrar em conflito com o resguardo da liberdade da criação artística ou noticiosa.
Na posição dos dois autores estão envolvidos projetos de solução que, embora diversos, podem eventualmente ser complementares. Um deles quer que a mídia pare de deseducar o povo, ao acolher, sem maior cuidado, tudo o que seja acusação de irregularidades, no que ele denomina a saturação do mercado das denúncias. Outro quer verificar a viabilidade de um meio constitucional para garantir a preservação dos valores morais previstos pela Carta Magna, sem que esse projeto corresponda a uma forma de censura.
A sociedade brasileira tomou consciência da importância da liberdade de informação e lembra do muito que se ocultou durante os governos militares. Está seguríssima de que essa liberdade há de ser mantida, não só a benefício dos direitos individuais, mas dos interesses de toda a coletividade nacional. A comunidade também tomou conhecimento (e se saturou) do denuncismo interminável, heterogêneo e, às vezes, irresponsável. É muito possível que os remédios jurídicos de que tratou Mancuso contribuam para satisfazer a educação desejada por Dimenstein.

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