São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Antidumping e comércio externo

ANTONIO KANDIR

Venho alertando nesta coluna para os desafios colocados pelo fato de o país estar no rumo certo da estabilização e da retomada do crescimento econômico. Parece paradoxal, mas o sucesso ou a perspectiva nítida dele criam novos desafios no curto prazo.
Numa conjuntura internacional, em que são poucas as alternativas de investimento com retorno elevado do capital, a percepção de que o Brasil está a caminho de superar em definitivo a crise dos anos 80 tende a produzir um aumento sensível da entrada de recursos externos no país.
A médio e longo prazos, isso é positivo. De imediato, porém, cria problemas quanto ao controle da quantidade de moeda em circulação e tensões sobre o câmbio, com o real tendendo a valorizar-se à medida que a oferta de dólares aumente mais que a demanda interna pela moeda dos EUA.
Como à tendência de valorização do câmbio soma-se temor quanto ao nível de proteção efetiva da economia brasileira, cria-se incerteza entre os empresários brasileiros quanto às condições de concorrência que irão prevalecer de agora em diante, o que certamente afeta de imediato decisões-chaves das empresas aqui instaladas.
Diga-se sem tergiversação que o aumento potencial da oferta de produtos através da maior exposição da economia nacional à concorrência internacional é não apenas um instrumento decisivo da luta pela estabilização dos preços, como também instrumento indispensável à melhoria dos níveis de produtividade e qualidade na economia brasileira. Quanto a isso, não pode restar dúvida, à luz da experiência vivida desde que se iniciou o processo de abertura.
A questão está em proteger a economia de práticas desleais de comércio, que se caracterizam pela colocação, em mercado externo, de produtos com preço inferior ao do mercado de origem.
Até aqui o Brasil esteve desarmado para enfrentar essas práticas, a começar pela inadequação da legislação, de 1987. Age certo o governo Itamar ao fazer com que uma nova e mais eficaz legislação antidumping acompanhe uma nova rodada de redução de alíquotas de importação.
A diferença fundamental entre a velha e a nova legislação antidumping está em que, enquanto pela anterior a sobretaxa, a título de direito compensatório à(s) empresa(s) lesada(s), só era cobrada a partir de julgado e deferido o processo de investigação de dumping, sem qualquer retroatividade, pela nova legislação haverá cobrança retroativa da sobretaxa até 90 dias, contados da data de instalação do processo. Além disso, a nova legislação cria a possibilidade de instituir medidas compensatórias, a título provisório, depois de 60 dias da abertura do processo.
Impede-se assim o expediente muito usual de aumentar a importação de produtos no transcurso do processo de investigação, já que nesse período os produtos estavam isentos da sobretaxa, qualquer que fosse o resultado do processo.
Trata-se de medida importante, mas que precisa de complementos para que se criem de fato as condições de uma integração competitiva do Brasil na economia mundial.
No campo administrativo, é fundamental emprestar maior celeridade, sem prejudicar o direito de defesa e o rigor necessários, aos processos de investigação de práticas desleais, alguns dos quais têm-se arrastado por cerca de um ano. Isso implica, entre outras coisas, dotar de estrutura e competência técnica os órgãos afetos ao comércio exterior, parte essencial da reengenharia do Estado.
No campo das chamadas condições sistêmicas, é fundamental alterar um sistema tributário que cria desvantagens competitivas, uma vez que onera excessivamente a produção brasileira.
À grita demagógica de que se quer sucatear nossa indústria é preciso contrapor uma política de comércio externo que, compatível com a estabilização e a reestruturação produtiva, dê segurança às empresas aqui instaladas de que elas estarão ao abrigo da concorrência desleal e predatória.

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