São Paulo, domingo, 18 de setembro de 1994
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Caso abre caminho para sensacionalismo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Nos meios jornalísticos dos EUA, o caso Simpson é chamado simplesmente de "A matéria". Nada poderia ter elementos mais sensacionais todos juntos: dinheiro, sexo, fama, violência, mistério, morte, racismo.
Mas se "A matéria" trouxe mais leitores e audiência do que nunca a jornais, revistas e emissoras de rádio e TV, também tem provocado críticas duras contra sua atuação.
Em primeiro lugar, há o que se chama de "tabloidização da grande imprensa". Os jornais sensacionalistas nos EUA são tablóides. Aos poucos, o jornalismo de prestígio vem aderindo a partes do estilo e conteúdo dos tablóides e seu público o condena, embora se sinta atraído por isso.
A tendência já vem de algum tempo, com os casos Amy Fischer, Tonya Harding, irmãos Menendez e John e Lorena Bobbitt. Mas "A matéria"supera tudo que já se viu nos EUA nesse tema.
Ela se manifesta, por exemplo, no exagero com que esses crimes são tratados. O tribunal do júri de Simpson é chamado de "o julgamento do milênio". Já houve tantos "da década" e "do século" que este, maior que os anteriores, precisa de superlativos maiores.
Depois, há os confrontos com a Justiça. Muitos acham que Simpson está sendo pré-julgado pela mídia e que será impossível encontrar 12 pessoas não influenciadas por esse pré-julgamento para constituírem o júri.
Diversas testemunhas, inclusive uma que afirma ter visto um carro como o de Simpson na rua de Nicole na hora do crime, foram desqualificadas por terem vendido entrevistas a jornais ou emissoras de TV.
Os meios de comunicação acabam sendo instrumentalizados pela defesa ou pela promotoria. Num caso como o de Simpson, baseado só em evidências circunstanciais, a defesa pode insuflar um jornal a comprar entrevistas de pessoas com depoimentos incriminadores apenas para depois desqualificá-las.
Ou a promotoria pode vazar informações que, mesmo não vindo a ser usadas no julgamento, influenciam os jurados, que tomam conhecimento delas via meios de comunicação.
É o caso, por exemplo, da gravação do telefonema de Nicole à polícia meses antes do crime, numa noite em que Simpson arrombou a porta de sua casa para bater nela. O juiz não vai aceitar a inclusão desse material nos autos porque Simpson não está sendo julgado por aquela agressão. Mas ele ajuda a formar nos jurados a opinião de que Simpson é capaz de cometer violência.
Os meios de comunicação têm sido também acusados de proteger Simpson, não divulgando os incidentes de violência doméstica praticados por ele na época em que aconteceram. Simpson chegou a ser condenado por espancar a mulher na noite do Ano Novo de 1989 e o fato não foi noticiado.
Finalmente, há a velha questão da agenda: enquanto houver Simpson no tribunal, não há guerra na Bósnia, reforma do sistema de saúde, desastre ambiental que possa disputar com ele espaço na mídia. O público quer que seja assim. Mas depois se queixa de estar sendo alienado pela imprensa.(CELS)

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