São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Erundina prega reforma do Estado

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Curtida por duas experiências administrativas (Prefeitura de São Paulo e Secretaria da Administração Federal), a Luiza Erundina, 59, que disputa o Senado pelo PT é uma mulher que se autodefine como mais pragmática.
E uma de suas prioridades como senadora, a enfática defesa de uma profunda reforma do Estado brasileiro, indica como mudou o ponto de vista dessa paraibana, assistente social e pós-graduada em Ciências Sociais. Afinal, reformar o Estado nunca foi prioridade do PT, que preferia reformar a sociedade. A seguir, os trechos principais da entrevista de Erundina à Folha:

Folha - Que prioridades básicas a sra. leva para o Senado?
Luiza Erundina - Eu vou continuar a minha luta em termos de direitos sociais. Toda minha história de vida foi voltada para a luta pela saúde, educação, habitação.
Na Prefeitura, eu procurei efetivar esse compromisso com os direitos sociais, investindo pesado sobretudo nessas três áreas. Quero ver se o mandato de senadora me permite fazer avançar essa luta.
Pretendo desempenhar um papel fiscalizador e conseguir contribuir para a reforma do Estado.
A minha experiência na Prefeitura e a experiência, embora pequena, no ministério me convenceram de que qualquer governo precisa fazer uma profunda reforma do Estado, na perspectiva de descentralizar o poder.
Folha - Quando a sra. fala em reforma do Estado, significa enxugamento da máquina, realocação, diminuição do número de ministérios?
Erundina - Não, necessariamente. É também isso, mas não seria isso que consistiria uma reforma do Estado. Eu penso num processo de mudança cultural.
Primeiro, é distribuir de forma mais democrática os poderes entre as três esferas, porque o poder municipal, no Brasil, é muito esvaziado. E o Estado deve ter uma concepção mais democrática.
Não sei porque tantos ministérios repetindo funções, competindo uns com os outros, centralizando funções que seriam melhor executadas no âmbito municipal ou mesmo no âmbito estadual e mudar a cultura do comportamento dos agentes públicos, aqueles que prestam serviços à sociedade.
Folha - A impressão geral, a respeito do funcionalismo, é a de que é absolutamente impossível para um secretário controlar a qualidade do servidor público. Tanto faz ele ser um professor dedicado e competente como chegar à repartição, pendurar o avental na cadeira e sair para bater papo. Não há prêmio nem punição...
Erundina - A questão dos servidores públicos, proporcionalmente ao número de habitantes, seja no âmbito federal seja nos âmbitos estadual e municipal, não é tão absurda.
O problema é a distribuição desses recursos e o mau preparo deles. Eles não foram admitidos e contratados com base em critérios mais sérios. Não tem, por exemplo, um processo de avaliação permanente, um plano de cargos e carreira, que seja até um fator de emulação. Não há uma política salarial, não existe uma isonomia. Os quadros permanentes devem ser concursados, reciclados, desenvolvidos e treinados.
Eles devem receber responsabilidades e não só funções. Essa seria uma forma de agilizar os procedimentos. É por isso que eu digo que não é uma tarefa que seja possível cumprir em um governo, porque é processo de mudança cultural, é uma profunda cirurgia no aparelho do Estado.
Folha - Que lições a sra. tirou do relacionamento de um quadro qualificado do PT, em função de governo, com o partido?
Erundina - Quando nós assumimos a Prefeitura, que foi a primeira experiência mais importante de governo, tanto para os petistas no governo quanto para os petistas no partido foi algo muito novo.
Não sabíamos muito claro os limites de um e de outro. Quando fui para a Prefeitura, imaginava honestamente que a proposta de estatização dos transportes coletivos era justa, viável e conveniente e que a executaríamos sendo governo. Chegando ao governo, a experiência mostrou que para o usuário não era interessante estatizar porque isso não garantia a melhoria da qualidade do serviço e não garantia preço mais barato.
Ao contrário, você teria que investir muito para desapropriar aquela frota imensa, sucateada. O importante não é que o serviço seja estatizado ou seja privado, o importante é que seja público sob o controle e fiscalização do Estado. Questões como essas nos puseram em conflito com o partido no início, porque o partido continuou imaginando que as propostas que fazíamos, enquanto oposição, eram viáveis no governo.
Folha - Seria correto dizer que a sra. saiu da Prefeitura mais pragmática e menos ideológica?
Erundina - Com certeza. Mais realista, mais tolerante com os meus adversários, mais consciente dos limites do poder. Hoje, sem dúvida nenhuma, eu sou pessoa considerada mais à direita no partido, fruto dessa lição de vida.
Folha - Em um eventual governo Fernando Henrique, a sra. defenderia junto ao PT a participação do partido nesse governo, a partir de propostas que atendam a área social?
Erundina - Não. Um governo de Fernando Henrique Cardoso em aliança com essas forças todas que tem aí e que representam aquilo que o país tem sido nessas últimas décadas e que não serve aos interesses da maioria do povo brasileiro. Tenho certeza de que, por mais que o Fernando Henrique Cardoso queira, ele não vai ter condições políticas e de governo para fazer um governo que contrarie os interesses desses setores que hoje o estão apoiando.
Folha - O que está acontecendo com a militância do PT, que não vai para a rua com a mesma garra com que foi em eleições anteriores?
Erundina - Esse processo eleitoral é atípico. A atitude não só da militância, mas do eleitor, é muito esquisita, sabe? Sei lá, de desinteresse, de silêncio. Mas ao mesmo tempo você tem um índice de audiência no horário eleitoral gratuito imenso, surpreendente. Mas, ao mesmo tempo, são pessoas aparentemente apáticas na relação com os candidatos.
Há as dificuldades normais nos dias de hoje, de pessoas que trabalham 8 ou 10 horas ou então desempregadas até para se locomover e o nosso partido não tem recursos para profissionalizar pessoas que trabalham.
Folha - Não haveria aí um certo envelhecimento da militância e por isso menos disposição para militar?
Erundina - É, isso também influencia. Isso indica a necessidade de ter uma política de renovação de quadros, de atração da juventude. Eu acho que a nossa estrutura partidária também tem que ser revista. Essa estrutura de núcleos está esvaziada.
Folha - Como é que a sra. vai se comportar em relação a essas discussões em torno da revisão constitucional?
Erundina - Alguns aspectos da Constituição devem ser revisados e, pela sua urgência, já podiam ter sido feitos. Por exemplo, a reforma tributária, sem a qual você não acerta os passos da economia.
A reforma do sistema previdenciário. Se você não fizer essa reforma vai ser muito difícil ter uma política salarial adequada e uma distribuição de renda porque esbarra na ineficiência, na exaustão do sistema previdenciário.
A reforma do Estado. Nenhum governo vai conseguir fazer este país se desenvolver se mantiver o Estado com a estrutura, a organização e os procedimentos da década de 30 ou 40.
Folha - A sensação que se tem hoje é de que a imagem dos políticos justa ou injustamente chegou ao seu ponto mais baixo...
Erundina - Primeiro eu acho que há um risco de generalização injusta na avaliação que a sociedade faz dos seus políticos.
Termina atingindo todo mundo e de uma certa forma inibindo o cidadão da participação política, se dispensando de também assumir uma parte de responsabilidade por essa classe política ser da forma que ela é. Falta um processo de politização.
A meu ver você tem um Congresso como tem porque o nível de politização da sociedade é baixo.

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