São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Serra defende urgência da revisão

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

O deputado federal José Serra (PSDB-SP), 52, disputa o Senado com uma proposta que põe ênfase na urgência de uma ampla reforma constitucional. Chega a considerar o tema o mais importante da agenda nacional para imediatamente após a eleição.
Economista de formação, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, exilado no Chile, Serra ganhou as duas eleições proporcionais que disputou até agora (1986 e 1990), mas perdeu a única majoritária (Prefeitura paulistana em 88).
A seguir, os pontos principais de sua entrevista à Folha.

Folha - O candidato de seu partido, Fernando Henrique Cardoso, tem dito que suas primeiras prioridades serão a reforma da Constituição e, dentro dela, a reforma tributária. O que o sr. gostaria que fosse feito de imediato nesses pontos?
José Serra - Acho que a Constituição continua necessitando de uma reforma ampla e que essa reforma, com base no método tradicional de emendas, é muito difícil de se fazer.
Teremos que encontrar alguma maneira de viabilizar um novo processo de revisão, que seja mais rápido. Estou propondo uma emenda à Constituição prevendo um novo processo e, se for o caso, para dar legitimidade, um plebiscito que autorize tal processo.
Folha - A idéia de revisão exclusiva não o seduz?
Serra - Em tese, eu estaria de acordo, mas acho que, do ponto de vista prático, é irreal. Se se viabilizar politicamente, eu estaria de acordo.
Folha - Seja qual for o procedimento adotado, parece que o processo de revisão toma tempo demais para um governo que estará se iniciando sob a pressão de urgências...
Serra - Essa é a razão de minha preocupação. Eu acho que até o fim do ano, tem-se que viabilizar esse processo de reforma ampla. Se for viabilizado, a reforma se faz em dois ou três meses e, nesse caso, não vai tomar tanto tempo do novo governo.
Folha - Mas o sr. não acha que um Congresso em final de mandato teria dificuldades e até carência de legitimidade para determinar um novo esquema de revisão?
Serra - Não, porque ele pode ser facultativo. Você convoca um plebiscito abrindo um processo amplo de reforma e o novo Congresso decide a respeito da época.
Ele pode decidir fazer logo no início ou posteriormente, mas certamente decidirá fazer logo.
Quer dizer, você não obrigará, você facultará, o que elimina o problema dessa falta de legitimidade. Eu acho que está se prestando pouca atenção a esse fato (a revisão constitucional), que é a questão mais importante para depois da eleição.
Folha - Em termos de conteúdo, como seria a revisão na questão tributária?
Serra - Simplificar o sistema tributário e permitir a eliminação das distorções que o atual sistema tem sobre a competividade da economia.
O sistema tributário atual prejudica as exportações e a produção doméstica brasileira em relação às importações. Cria vantagens comparativas para se importar em vez de se produzir internamente.
É um sistema, nesse sentido, original no mundo inteiro. Talvez o sistema mais burro que existe, porque, por exemplo, se você é exportador de uva no Nordeste, se importar a caixa para embalar a uva, não paga imposto, mas paga se a caixa for nacional.
Isso é inacreditável como política econômica. Então, as linhas básicas de um novo sistema tributário seriam simplificar quanto ao volume de impostos e eliminar os impostos estaduais das exportações.
Só ficaríamos com um imposto, federal, que é o imposto de política econômica, e eliminaríamos a tributação sobre os bens de capital, no sentido de favorecer o investimento, a competitividade.
Folha - Em termos de carga total fiscal, a sua reforma manteria, aumentaria ou diminuiria o patamar atual?
Serra - Manteria a carga real e diminuiria a nominal. A nominal no Brasil, hoje, deve ser da ordem de 50% (do PIB, Produto Interno Bruto, medida da renda nacional).
A efetiva é da ordem de 25% do PIB. Os outros 25% se perdem em sonegação, em isenções. Você deve aproximar mais a efetiva da nominal. Mas é preciso dizer que uma boa reforma tributária exige estabilidade de preços.
Sempre se pode argumentar que a reforma tributária é importante para se estabilizar.
Claro, é importante para consolidar a estabilização, mas a reforma mesmo exige uma certa estabilidade para que você possa até orientá-la. O sistema tributário funciona sempre distorcidamente com uma superinflação.
Também é preciso não confundir: reforma tributária não é só Constituição. É também um processo de leis e até decisões de política econômica.
Folha - O que é essencial para que se mantenha a estabilidade aparentemente alcançada, dado que há um relativo consenso entre os economistas de que, sem complementos, o plano pode desmoronar já a partir de 1º de janeiro?
Serra - Eu não diria exatamente a partir de janeiro, mas já no primeiro semestre do ano que vem. Eu nunca fui daqueles que achavam que a revisão era uma condição prévia para a estabilização, mas acho que a revisão era fundamental para consolidar a estabilização.
Eu acho que é fundamental a questão tributária, a questão dos gastos públicos na Constituição em numerosas áreas, a questão da privatização e a mudança na forma de funcionamento da Justiça do Trabalho.
São aspectos importantíssimos, todos vinculados a uma revisão constitucional.
Folha - Mas a estabilização brasileira não está muito pendurada em determinadas medidas que não podem durar muito tempo, como o congelamento de tarifas públicas, tipo de câmbio etc?
Serra - Quando digo estabilidade, não penso em inflação zero. Os países que estabilizaram (México, Israel) ficaram no começo com inflação residual de cerca de 20% ao ano. Isso, no Brasil, não representaria nenhuma derrota.
Nós não vamos ter inflação zero tão cedo no Brasil ou inflação de 2%, 3% ao ano, uma inflação suíça. O Chile até hoje está nos 12%, 13%.
A partir de uma inflação de 20% ou 30% ao ano, você desenvolve um processo gradualista de combate.
Folha - Mas não pode passar a impressão de que estavam certas as críticas da oposição de que o Plano Real é uma espécie de estelionato eleitoral quando o sr. admite 20% ou 30% de inflação anual após a eleição?
Serra - Nunca vi ninguém do governo anunciar que teríamos inflação zero. Eu próprio venho dizendo há muitos meses que estabilidade significa conviver com a idéia de ter, no primeiro ano, uma inflação de 20%, 30%, e isso não causou nenhum escândalo.
Aliás, todos os economistas sabem que isso não tem nada demais. É absolutamente razoável e um sucesso estrondoso num programa de estabilização você conseguir isso.
A liquidação definitiva do processo inflacionário, na minha opinião, é tarefa para dois ou três anos e simultânea com o crescimento econômico.
A peculiaridade da superinflação é que quando você a combate pode fazê-lo simultaneamente com o crescimento econômico.
Folha - O sr. não mencionou até agora as reformas políticas. O que o sr. proporia de saída?
Serra - Nós temos que acabar com o sistema proporcional de eleição de deputados e passar para um sistema distrital, talvez do tipo misto. Isso é fundamental.
Segundo, você precisa eliminar constitucionalmente essa possibilidade das legendas de aluguel, micropartidos sem representatividade. Temos que criar mecanismos constitucionais que fortaleçam os partidos.
Outro aspecto é o da representação dos Estados na Câmara. A distorção hoje é muito exagerada.
Há outras questões que eu particularmente defendo e que no meu partido não são consensuais, como a não obrigatoriedade do voto, que continuo defendendo.
E a extinção dos vices. Acho que é perfeitamente possível você ter presidencialismo e não ter vice. É o caso do México, embora seja um sistema particular, e é o caso do Chile.
Folha - Os dois senadores do PSDB por São Paulo já foram candidatos à Presidência, o Covas em 1989 e o Fernando Henrique agora. O José Serra senador será candidato à Presidência em 1998?
Serra - Eu acho mais do que cedo pensar nisso porque não me elegi sequer senador. Acho que dá azar ficar pensando em 98 antes de se eleger em 94.
Folha - Mas no seu horizonte de vida política, a Presidência da República é uma coisa que o sr. afasta?
Serra - Eu insisto em que dá azar pensar em 98 antes de se eleger em 94.

Texto Anterior: Tuma não se define sobre pena de morte
Próximo Texto: Elite e massa se refletem nos ídolos de FHC e Lula
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.