São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Uma chance para grandes mudanças

PAULO RENATO SOUZA

Nas sete primeiras décadas deste século, a economia brasileira deu demonstração de enorme vitalidade e capacidade de adaptação a circunstâncias muito variáveis no cenário internacional. Até mesmo a crise dos anos 30 foi aproveitada positivamente para redefinir o rumo de nossa economia. O pós-guerra possibilitou ao país desfrutar de um longo período de progresso e avanço social, exibindo altas taxas de crescimento econômico.
Não obstante, não fomos capazes de levar o progresso social até o ponto de reverter a desigualdade na distribuição da renda e da riqueza. De outro lado, ficamos à metade do caminho na tentativa de construir uma economia competitiva e independente dos fortes mecanismos de proteção em relação ao exterior e do apoio governamental, que foram essenciais para o êxito alcançado até então.
Os anos 70 trouxeram consigo uma nova e importante transformação no cenário econômico mundial. Ao contrário das anteriores oportunidades, tardamos em nos aperceber da profundidade da mudança e não redefinimos com a mesma rapidez nosso modelo de desenvolvimento.
A crise já dura uma década e meia, período no qual deterioram-se todos os nossos indicadores sociais: aumentou o desperdício com a interrupção de projetos importantes; o Estado perdeu funcionalidade na economia; deixamos de crescer e resumimos nossa política econômica a uma luta inglória contra a inflação, que impôs sacrifícios adicionais às camadas de menores rendas. Nossa taxa de investimento reduziu-se substancialmente, comprometendo a expansão da infra-estrutura, o que obrigará a um esforço redobrado no futuro.
A crise social assumiu proporções inaceitáveis e seu enfrentamento é a primeira prioridade na proposta de governo Fernando Henrique. Colocar as pessoas em primeiro lugar significa compreender que a retomada do crescimento não garantirá a melhoria das condições de vida da população. Hoje, a expansão econômica se dá com a crescente incorporação de novas tecnologias, restringindo a expansão do emprego; a deterioração dos serviços públicos nas áreas de educação, saúde e segurança atingiu um nível em que não se pode esperar resultados positivos da simples injeção de maiores recursos. Se somarmos a isto a necessidade de combater a fome e a miséria –que a crise expandiu significativamente em nosso país–, teremos completado a menção às cinco metas centrais da proposta de governo Fernando Henrique: agricultura, educação, emprego, saúde e segurança.
Nada disto poderá ser feito, porém, se não formos capazes de retomar a trajetória de desenvolvimento, interrompida há mais de uma década, para gerar os recursos que tornarão possível o investimento social. A proposta de governo Fernando Henrique procura atacar o coração do problema que está abafando nossa economia há tanto tempo. Trata-se de redefinir nosso modelo de desenvolvimento, reconhecendo que não podemos nos isolar do mundo e, ainda mais importante, que o mundo mudou radicalmente nos últimos 15 anos.
O novo modelo deverá basear-se em uma economia aberta e competitiva e numa sociedade mais justa e igualitária do que a atual. A proposta combina metas de curto, médio e longo prazos com ações emergenciais; manutenção da estabilidade econômica, com retomada dos investimentos; estímulo ao crescimento com mudanças importantes na saúde e na educação; utilização de recursos públicos e privados, nacionais e internacionais.
A retomada do processo de desenvolvimento exige, como primeira condição, a realização de pesados investimentos para adequar a infra-estrutura do país às necessidades da expansão da produção. Tantos anos de falta de investimentos deixaram o país no limite da disponibilidade de energia, comunicações e infra-estrutura de transportes.
A questão central que precisa ser enfrentada é a definição de uma nova modalidade de financiamento do desenvolvimento. No passado, a infra-estrutura brasileira foi construída essencialmente com dinheiro público. O governo utilizava-se de recursos do orçamento, contando com a receita dos tributos e, quando essa fonte era insuficiente, emitia dinheiro ou títulos, gerando inflação. Hoje, o orçamento está exaurido, pelo acúmulo de responsabilidades com as crescentes demandas sociais e pelo peso da dívida pública. A solução de emitir dinheiro não é mais viável, a sociedade não aceita mais a inflação.
O programa dos investimentos necessários contempla um conjunto amplo de obras e projetos, muitos dos quais deverão gerar retorno econômico mais que suficiente para torná-los atraentes para o setor privado. Por isso, será preciso adotar novos mecanismos de captação de recursos, nacionais e estrangeiros, incentivando ainda a participação direta do setor privado por meio de concessões e associações com empresas públicas.
A atuação governamental deverá, portanto, combinar simultaneamente as medidas para promover e coordenar os investimentos, com o estímulo importante à geração de empregos e à expansão agrícola e com a melhoria significativa dos serviços públicos nas áreas de educação, saúde e segurança. É justamente na melhoria das condições sociais onde deverá concentrar-se a aplicação dos recursos orçamentários do governo, saneados das pragas do desperdício, do clientelismo, do corporativismo e da corrupção e ampliados por uma reforma fiscal competente.
O novo modelo de desenvolvimento requer a redefinição do papel do Estado na sociedade e das formas de relacionamento entre setor público e setor privado. Ao mesmo tempo em que se reduzirá o papel do Estado como o grande investidor em projetos e áreas estratégicas, deverá ser reforçado seu papel regulador da atividade econômica, promotor da redução nas diferenças de renda e produtor eficiente de serviços sociais.
Apesar da crise e de todas as circunstâncias adversas que nosso país enfrentou nos últimos anos, nossa economia não colapsou, nosso regime democrático reforçou-se, nossa sociedade é hoje mais atuante. A reformulação da ordem política e econômica mundial, por outro lado, oferece neste momento uma oportunidade única para a inserção vantajosa para nosso país no cenário internacional. Estamos diante de uma eleição presidencial com possibilidades de eleger um candidato que será capaz de liderar o país no sentido das grandes mudanças que o momento exige.

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