São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Candidatos evitam uma discussão aberta

ARY OSWALDO MATTOS FILHO

Quem se detém para examinar a atual estrutura fiscal da federação concordará que, independente de quem seja o novo presidente da República, bem como da composição do futuro Congresso, há que se discutir o tema recorrente desde 1991, qual seja, a reforma fiscal. Reforma fiscal é uma das vertentes de maior conteúdo político que as sociedades organizadas discutem. E isso porque é ela uma grande arbitragem feita pelos poderes constituídos, através da qual se determina quem paga o que, para qual ente tributante, para receber o que do Estado.
Neste sentido, quer Fernando Henrique quer Lula reconhecem que, com a atual estrutura fiscal, a partir de 1995, o Estado começará a se inviabilizar rapidamente. As dificuldades no lado da receita irão principiar pela perda de receita, ainda no fim deste ano, pela extinção constitucional do IPMF, no ano que vem, pela morte do Plano Social de Emergência.
No lado do gasto –já bastante comprimido–, aumentou no curso de 1994, muito embora não se possa dizer que os serviços públicos essenciais estejam sendo prestados ou que a população de menor renda não seja extremamente carente de cuidados com a saúde, educação etc.
Dentro deste cenário creio que qualquer reforma fiscal coerente, que não seja um ato voluntarista, tem que passar, para ter sucesso, pelo envolvimento da maior parcela possível da população. Afinal, os que vão pagar é que devem apoiar. Talvez tenha sido esse um dos graves erros dos constituintes de 88, ao decidirem –de forma generosa– os gastos que seriam suportados por nós todos, sendo que, em boa parte da vezes, não pararam para pensar nas fontes. De outro lado, por ser uma proposta de reforma fiscal um modelo de realocação de rendas, temos que nenhum candidato, mesmo em outros países, poderá detalhar o seu modelo a ponto de reabrir o conflito realocativo das receitas e dos gastos do Estado, no momento em que o grau de demagogia sobe e o de racionalidade desce. Poderá, quando muito, apresentar idéias gerais de maior aceitação. Nenhum de nós é contra a reforma fiscal, desde que ela, preferencialmente, não nos atinja ou o faça de forma muito atenuada.
Se olharmos do lado do gasto, no ano que vem a sociedade vai ter que discutir se quer ou não continuar arcando com os gastos da estabilidade funcional, da previdência não necessariamente contributiva para todos os cidadãos, do sustento, pela União, de gastos de unidades da federação criados com fins meramente eleitorais etc. Do lado da arrecadação, temos que não seria de se imaginar no horário eleitoral a discussão de extinção de impostos que fossem diminuir o leque de arrecadação dos Estados ou dos municípios, já que isso deslocaria os arcos de aliança regionais e locais.
No que diz respeito aos contribuintes, também não existe consenso. A agricultura quer uma carga tributária e financeira menor do que a indústria, esta, ao exportar, quer pagar menos do que o comércio. O assalariado quer que a empresa pague mais e ele menos, e assim sucessivamente.
Voltando ao princípio, temos que discutir propostas de reforma fiscal significativas para tentar administrar um brutal conflito de interesses entre os entes tributantes entre si, entre os contribuintes e, como se não bastasse, da União, dos Estados e dos municípios contra todos os contribuintes ou, se preferirem, vice-versa.
Ora, temos que convir que propor à discussão aberta tais temas, como proposições de campanha, seria no mínimo desastroso para qualquer candidato. E isso por, no mínimo, dois motivos.
O primeiro é que o tema reforma fiscal não é fácil de ser explicitado em palanque ou no horário eleitoral, por sua alta tecnicalidade, o que pode resultar facilmente em demagogia das mais baratas, que inviabilizam um mínimo da racionalidade que deve presidir um conjunto de mudanças tão drásticas.
O segundo, e por consequência, é que uma proposta de reforma coerente se constrói como sendo quase que uma discussão única da nacionalidade, e não quando um candidato está remexendo a cloaca do adversário em busca de pecados mortais ou veniais.
Essa é a razão por que as propostas de ambos candidatos são razoavelmente semelhantes, muito embora seus programas partidários sejam muito diferentes.

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