São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Faltam definições sobre integração comercial

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Novo governo à vista, novas promessas e objetivos a serem buscados. A menos que tenhamos novas mudanças na Constituição, teremos um presidente que nos deixará no final desse milênio e sem possibilidade de reeleger-se. Como estará a nossa aldeia global nesse final de século e como nós, brasileiros, vamos enfrentar os desafios dessa monumental integração?
Como nos posicionarmos de um lado para enfrentar a constante busca de melhor eficiência para sermos competitivos, com as realidades de um país continental e populoso que tem a justa ambição de construir uma economia integrada? Qual o nível de abertura aceitável que nos permita de um lado aumentarmos nossa eficiência e, portanto, melhorar o nível de concorrência aos produtos importados e, ao mesmo tempo, não criar barreiras que nos marginalizem de uma economia mundial, aonde somos ainda protagonistas relativamente modestos vis-à-vis nosso grande potencial?
E os blocos econômicos? Devemos acelerar nosso processo de integração via Mercosul, consultando-o de forma inequívoca e irretratável, ou devemos simultaneamente abrir novas frentes que nos aproximem, por exemplo, do Nafta – hoje, sem dúvida, objetivo que parece muito mais ambicioso e que estaria inserido dentro da idéia de criar uma zona de livre comércio para toda a região?
Os processos de mudança vividos pelos diferentes países ocidentais nessa última década foram dramáticos e não seria necessário aqui repetir ou sublinhar as características mais relevantes do que assistimos desde a queda do muro de Berlim.
Na América Latina esse processo de mudanças não foi menos importante. Em sequência à abertura política que acaba de ser reforçada com a eleição do presidente Zedillo, no México, tivemos a seguir uma progressiva revisão do papel do Estado na economia e na abertura comercial de Norte a Sul, na área de comércio exterior dos países que compõem a nossa região.
Paralelamente a uma liberação cambial quase irrestrita, reduziram-se substancialmente tarifas alfandegárias (e em alguns casos, limites quantitativos), colocando os países da América Latina num nível de liberalização inédita na área externa. Consequência dessas políticas, as correntes de comércio inter-regional e com o resto do mundo (e particularmente com os Estados Unidos) tiveram sensível acréscimo, apontando os benefícios da abertura.
Alguns dados sobre a América Latina merecem aqui ser destacados: O México teve em 93 a taxa de inflação mais baixa dos últimos 20 anos (8,7%) e a Argentina registrou o menor aumento de preços desde 1969 (7,4%). O êxito relativo das políticas de estabilização está associado às políticas de gestão fiscal,onde mereceram destaque por sua eficácia Argentina, Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Uruguai e Peru. Brasil, Venezuela e Bolívia foram os países destoantes.
Quanto aos países em desenvolvimento, dentro do contexto global indicado, vale ressaltar que o fluxo de recursos atingiu cifras sem precedentes nos últimos anos, fortemente impulsionados por aplicações do setor privado.
O esforço exportador dos países da América Latina em 93 se viu prejudicado pela queda relativa dos preços dos produtos exportados, e a relação de intercâmbio retrocedeu cerca de 5%, acumulando assim, um declínio de 18% no último triênio. Essa situação certamente deverá se corrigir em 94 com a apreciável recuperação observada nas "commodities" e diferentes matérias-primas básicas.
Estima-se que o comércio mundial terá taxas de crescimento próximas a 5% em 94 e 95, superando assim, por ampla margem, a baixa taxa de 2,5% verificada em 93.
Nosso país, em termos comparativos aos demais países da América Latina, ainda se encontra num estágio defasado no que concerne a políticas macro de estabilização. Enquanto a inflação já é um problema praticamente equacionado na região (talvez com exceção da Venezuela, que teve uma recaída), ainda torcemos para que o real possa impor-se como moeda estável.
Estamos defasados também em nível comparativo de privatização, controles orçamentários, legislação trabalhista e previdenciária, que terão que ser encaradas de frente pelo novo presidente e pelo Congresso que se elegerá a 3 de outubro.
Na área externa, ainda convivemos com controles cambiais que em sua maior parte foram eliminados pelos nossos vizinhos. Olhando para frente, fica muito difícil imaginar que possamos impor controles que se mostraram arcaicos e superados.
As experiências liberalizantes indicam que não existe um receituário padrão e que a cada país coube implementar políticas diferenciadas de como levar à frente essa liberalização, numa sequência própria. Uma característica comum, no entanto, à exceção do Chile, foi a geração de substanciais "déficits" na balança de comércio, cobertas pelo repatriamento ou ingresso de capitais.
As críticas que se ouvem com mais frequência dizem respeito a que essa liberalização unilateral do comércio exterior foi feita sem uma estratégia definida e que aponta imperfeições em quatro áreas específicas; essa abertura só faria sentido se estivesse inserida numa economia mundial aberta, dinâmica e competitiva; que se baseia em vantagens comparativas estáticas; que os países da América Latina não têm se protegido aplicando leis "antidumping" de forma objetiva (o México talvez seja uma exceção), e que finalmente, esse fluxo de capitais foram fortemente induzidos por elevadas taxas de juros, estimulando capitais especulativos que, para permanecer no país, vão sempre requerer fortes estímulos. Fica assim patente que os mercados financeiros vão ter que estar aparelhados para criar estímulos para que esses capitais que aqui aportaram estimulados pelas taxas de juros elevadas, permaneçam no país, auxiliando no processo de retomada de crescimento e geração de novos empregos.
O maior desafio que o Brasil deverá enfrentar é o de aumentar suas taxas de formação de capital que já se situaram entre as maiores do mundo e hoje recuaram para nível incompatível com nossas necessidades de investimento.

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