São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Desigualdades fortalecem regionalismos

PAULO HADDAD

Num país com as dimensões geográficas e a heterogeneidade sócio-cultural como as do Brasil, uma das questões mais relevantes para o seu processo de desenvolvimento é a manutenção da unidade nacional através da administração e do controle dos conflitos regionais, linguísticos ou religiosos regionalmente organizados. Os movimentos regionalistas têm possibilidades de emergir, fundamentalmente, por força das desigualdades de desenvolvimento entre as nossas regiões.
Neste sentido, estes movimentos podem se manifestar em diferentes situações. Regiões que geram volumosos excedentes agrícolas sentem-se espoliadas por interesses econômicos de outras regiões, que financiam, transportam e comercializam as safras com ganhos desproporcionalmente elevados. Regiões que se especializam na produção de alimentos e materiais não beneficiados e adquirem, de outras regiões, bens manufaturados de consumo e de produção sofrem perdas em relações de trocas desiguais que se deterioram gravemente ao longo do tempo. Finalmente, as instituições públicas e privadas das áreas mais desenvolvidas do país pretendem, através da manipulação de sua força de decisão ao nível do poder político central, definir a forma, a intensidade e a cronologia do uso dos recursos naturais e dos recursos energéticos das áreas menos desenvolvidas, particularmente aquelas localizadas na fronteira externa da expansão da economia nacional, sem consultá-las em termos de suas aspirações sociais.
No Brasil, especificamente neste século, os antagonismos econômicos provocados pelas disparidades regionais de desenvolvimento constituíram a principal base potencial para impulsionar conflitos e tensões entre interesses políticos regionais. Embora os diferentes ciclos econômicos, ocorridos no pós-guerra, possam ter exacerbado estes conflitos e tensões durante as suas fases de expansão e de contração através da absorção diferenciada entre as regiões dos seus custos ou benefícios, a questão dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento se apresenta como um fenômeno estrutural e recorrente a alimentar estes possíveis antagonismos no médio e no longo prazos.
As análises agregativas dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento no Brasil demonstram que, até o início dos anos 70 –quando se consolida no país o parque industrial mais moderno e diversificado entre as nações do Terceiro Mundo à época–, as diferenças entre os padrões de vida dos brasileiros variavam enormemente entre suas regiões e se destacavam em escala mundial como uma disfunção crônica.
Esse quadro de profundas desigualdades regionais, já em meados dos anos 60, mobilizou intensamente as forças políticas das áreas periféricas do país que conseguiram ativar um conjunto de instituições e de instrumentos fiscais e financeiros junto ao poder central, visando à elaboração e à implementação de políticas públicas de natureza compensatória em benefício das regiões menos desenvolvidas (Nordeste, Norte, Centro-Oeste). Após mais de três décadas de mobilização de recursos nacionais para atenuar os desequilíbrios regionais de desenvolvimento, alguns resultados foram bem sucedidos em termos agregativos.
O exemplo do Nordeste, onde esta mobilização foi mais intensa e persistente, é ilustrativo neste sentido: apesar de todas as mazelas em que se envolveram os órgãos e as instituições de coordenação do desenvolvimento e de fomento financeiro na região, as quais vão desde a aprovação de incentivos fiscais para projetos de interesse social duvidoso até o desperdício de recursos públicos em programas para o atendimento de interesses clientelísticos, ressalte-se o seu trabalho como uma experiência administrativa favorável à promoção do desenvolvimento regional. De 1962 a 1990, os projetos beneficiados pelo sistema de incentivos fiscais geraram mais 600 mil novos empregos e investimentos de US$ 50 bilhões, dos quais apenas US$ 17 bilhões foram financiados por estes incentivos; de 1960 a 1988, o Produto Interno Bruto da região cresceu a 6,6% ao ano, em ritmo superior à média nacional.
Assim, os especialistas que têm escrito sobre a questão da evolução da distribuição espacial das atividades econômicas no Brasil registram como tendência marcante, após a segunda metade dos anos 70, o surgimento de um incipiente mas decisivo processo de desconcentração econômica e de despolarização da indústria nacional, uma reversão da polarização a partir de maior participação das grandes regiões menos desenvolvidas (Norte, Nordeste, Centro-Oeste) no PIB e no valor de transformação industrial do país.
Mesmo admitindo uma inequívoca tendência observada para as regiões menos desenvolvidas crescerem em ritmo mais acelerado do que as regiões mais desenvolvidas (Sul, Sudeste), existem alguns elementos de prognose que projetam as possibilidades de um processo de reconcentração espacial do desenvolvimento brasileiro quando nossa economia vivenciar um novo ciclo de expansão após conquistar sua estabilidade. Entre estes elementos, destacam-se a fragilidade fiscal e financeira da União e de suas empresas produtivas para conduzir programas de investimentos compensatórios entre regiões do país; um fator de inércia de interesses econômicos em torno da imobilização do capital fixo nas áreas mais desenvolvidas; vantagens locacionais dos centros urbanos situados dentro do campo aglomerativo da grande região industrial brasileira, particularmente para atividades intensivas de ciência e tecnologia etc.
Neste sentido, o novo presidente da República terá muitos desafios político-administrativos para evitar que se expandam movimentos regionalistas em várias áreas do país e deverá, com certeza, ter de promover uma reengenharia dos organismos federais de coordenação do desenvolvimento regional; reavaliar os instrumentos de intervenção das políticas de promoção do desenvolvimento das áreas periféricas (as tradicionais e as dinâmicas); e, finalmente, buscar um novo padrão de desenvolvimento nestas áreas baseado em transformações a partir das suas vantagens competitivas dinâmicas, articuladas com equidade social e sustentabilidade ambiental.

PAULO R. HADDAD, 55, é economista, ex-ministro do Planejamento e da Fazenda (1993).

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