São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Eleito enfrentará oposição a mudanças

MAILSON DA NÓBREGA

Duas décadas marcam a trajetória do Estado no Brasil: a de 30 e a de 70. No início da primeira, houve uma grande virada, na qual um liberalismo ingênuo deu lugar a um Estado forte, centralizado e interventor. No final da segunda, iniciou-se a maior crise do país, em grande parte derivada da falência do modelo.
Durante o período entre esses dois marcos construímos um parque industrial maduro e complexo. A agricultura se expandiu e se diversificou. O sistema financeiro adquiriu sofisticação comparável à do mundo industrializado. Formou-se uma invejável classe empresarial. A intervenção do Estado sob o signo do nacional-desenvolvimentismo tranformou o Brasil numa das dez potências econômicas do mundo.
Essa proeza foi manchada pela concentração de renda, produzida exatamente pela intervenção estatal. As políticas voltadas para o desenvolvimento acabaram por premiar também a ineficiência. O subsídio creditício e os incentivos fiscais viabilizaram empreendimentos antieconômicos. A proteção tarifária, a reserva de mercado e outras barreiras sustentaram indústrias de baixa competitividade.
A intervenção gerou privilégios e vantagens inaceitáveis. O poder decisório da burocracia criou alianças, canais de articulação e influência recíproca entre grupos de interesse e administradores públicos, o assim chamado corporativismo cartorial. Engendrou por isso um enorme potencial de corrupção, que se materializou em várias ocasiões em conhecidos escândalos.
A crise fiscal, que já dura anos, é o principal espelho do colapso do modelo. Surpreende que até hoje tenha sido impossível reformar o Estado, embora se saiba de sua necessidade há muito tempo. É provável que a demora em produzir um diagnóstico preciso seja em parte responsável pela nossa incapacidade de mudar o modelo.
Parece, contudo, que a baixa capacidade decisória do sistema político é a principal causa da paralisia no processo de reforma. Para complicar, o colapso do modelo coincidiu com o ocaso do regime militar, dificultando a adoção de medidas saneadoras, sujeitas a fortes resistências. A longa transição para a democracia acumulou ainda mais a agenda.
Na redemocratização, a penúria social e o jejum político afloraram variadas demandas, que desembocaram na nova Constituição, cujo texto é paternalista e financeiramente desastrado. A nova Carta foi a pá de cal sobre o modelo de Estado criado nos anos 30.
O Brasil chegou a uma encruzilhada. Ou reforma o Estado ou caminhará para a desordem. Não se quer o Estado minimalista nem seu enfraquecimento. É preciso, contudo, retirá-lo da atividade empresarial e ampliar as medidas de desregulamentação. A reforma tributária, um novo sistema previdenciário, a redefinição do pacto federativo e a flexibilização dos monopólios estatais são medidas urgentes e inadiáveis.
O Estado deve ser forte na coordenação macroeconômica, na defesa da estabilidade da moeda, bem assim na geração de um ambiente propício ao investimento e à modernização das relações trabalhistas. Precisa recuperar a capacidade de investir em ciência e tecnologia, de formular políticas setoriais de desenvolvimento e de implementar programas eficazes de educação, saúde e outros no campo social.
O programa do PSDB busca redesenhar a ação do Estado na linha dessas idéias. O do PMDB atribui ao Estado papel equivalente a um "juscelinismo démodé". O do PT, rançoso, defende amplo controle estatal sobre a economia e a preservação de empresas estatais "estratégicas". Paradoxalmente, a proposta do PT, cujo candidato ataca a elite dirigente, é a que mais se aproxima do modelo anterior, que beneficiou essa mesma elite e concentrou a renda.
A julgar pelas pesquisas, a maioria do eleitorado prefere a proposta que rompe com o passado. De qualquer forma, seja quem for o eleito terá que enfrentar renhida oposição às reformas. Felizmente, o ambiente político será mais favorável e, queira Deus, melhorará a eficiência decisória do Congresso.

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