São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Abordagem dos problemas é muito pobre

JOSEF BARAT

A leitura dos programas de governo dos candidatos à Presidência causa, em quem atua há muitos anos nos transportes, a sensação desconfortável do "déjà-vu". No meu caso, particularmente, a sensação é dupla. Primeiro, porque há muita repetição de conceitos e propostas, que não diferem, basicamente, do que vem sendo dito há mais de duas décadas.
São pouquíssimas as inovações conceituais, são pobres as perspectivas de abordagem dos problemas, levando em conta as grandes transformações organizacionais, tecnológicas e operacionais, além de faltar realismo às propostas.
A segunda dose resulta da identificação de alguns conceitos, diagnósticos e propostas contidos em textos de minha autoria, o que seria gratificante se não fossem textos publicados de dez a 20 anos atrás.
Nos programas, uns preferem a privatização, outros a estatização, mas num ponto todos concordam: os diagnósticos ressaltam que as condições físico-operacionais dos transportes deterioraram-se vertiginosamente no último decênio. Quem mais aprofunda o diagnóstico são os candidatos Lula e Quércia, sublinhando a deterioração das infra-estruturas e instalações, em especial da malha rodoviária, a subutilização dos modais ferro e hidroviário, ressaltando, neste último o reduzido aproveitamento das vias navegáveis.
Lula, Brizola e Enéas chamam a atenção para o desequilíbrio na matriz de transportes, propondo, juntamente com Quércia, contemplar os modais ferro e hidroviário. Lula e Quércia preocupam-se com a necessidade de reduzir os custos dos transportes para o abastecimento interno. Fernando Henrique e Amin passam olimpicamente pelo diagnóstico, talvez por considerarem-no supérfluo.
Todos falam em restaurar a malha rodoviária e em recuperar as ferrovias. O único que propõe ações para o transporte aéreo, visto numa escala global, é Enéas.
As coisas se complicam nas questões e propostas relacionadas com o financiamento dos investimentos. Lula e Quércia propõem a criação de um mecanismo baseado na vinculação de receitas tributárias –que exige reforma da Constituição–, de forma a dar sustentação aos programas de melhoria e ampliação das infra-estruturas. Para o financiamento do seu ambicioso programa, Quércia se baseará, ainda, no crédito fundado no uso de parte das reservas cambiais. Brizola propõe a ampliação do escopo das aplicações do imposto sobre as importações de petróleo para as ferrovias. Fernando Henrique acredita que com a estabilização monetária será possível a criação de um instrumento de financiamento de médio e longo prazos pelo sistema financeiro.
O aporte de recursos do setor privado, para suprir o colapso na capacidade de financiamento público é objeto, obviamente, de controvérsias. Lula acha exagerada a ênfase na privatização, mas a aceita na base do risco. Brizola simplesmente não a aceita, e isto como postura programática. Enéas não a admite, especialmente dos portos, mas apenas arrendamentos parciais. Quércia propõe a privatização dos portos de funções múltiplas e das ferrovias, mediante concessões. Têm clara, porém, a perspectiva de que grande parte dos investimentos será de responsabilidade governamental e, quando muito, objeto de parcerias público/privadas. Fernando Henrique enfatiza um posicionamento neoliberal, confiando na participação mais ampla do setor privado por meio de concessões, inclusive nos "corredores", à exceção dos investimentos na região Nordeste, que serão mais de responsabilidade pública.
Finalmente, cabe sublinhar alguns conceitos emitidos, para o leitor poder avaliar melhor as tendências. Brizola está à esquerda de Lula ao não admitir programaticamente a privatização e a erradicação de trechos ferroviários, ao defender a proteção à bandeira nacional e ao propor um consórcio de grandes empresas estatais como a RFFSA, AGEF, Cibrazem e Loyd para atuarem no transporte. Enéas também defende a ação das estatais e é nacionalista na política de marinha mercante. Lula repete o que foi dito por Adib Jatene quando ministro: no Brasil quem define a prioridade dos projetos são as empreiteiras. Fala da necessidade de mobilização das engenharias civil e militar no esforço de recuperação e do entrosamento dos planos de armazenagem e transportes, sem a ênfase estatizante de Brizola, desde que o setor privado corra riscos. Quércia, como já foi visto, é o único que introduz conceitos modernos e apresenta uma listagem detalhada de projetos de recuperação, melhorias e ampliações de capacidade, acreditando nas concessões ao setor privado como uma das formas de financiamento. Amin é o único que compreende os impasses decorrentes da Constituição de 1988 e propõe um novo federalismo. Fernando Henrique, por seu turno, confia no processo de estabilização monetária e, talvez por isso, seja tão econômico no seu diagnóstico e propostas, pois o mercado e a iniciativa privada vão resolver grande parte dos problemas de transportes, inclusive as transformações tecnológicas e operacionais. As tendências internacionais lhe são muito favoráveis. Internamente, há um penoso caminho de negociações à percorrer.

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