São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Propostas omitem origem de recursos

ANTÔNIO SALAZAR P. BRANDÃO

Programas de governo são declarações de intenções nas quais os candidatos não são forçados a se defrontar com restrições reais de recursos ou mesmo com as pressões inerentes ao processo decisório. Os programas normalmente pecam pelo excesso de boas intenções e pela falta de clareza com relação às prioridades de governo. As propostas dos candidatos para o setor agrícola não fogem a esta regra. São muito ambiciosas e pouco específicas em relação aos seus instrumentos e aos recursos para implementá-las.
Ignorar este último aspecto é lamentável no presente momento, pois todos esperam que o presidente eleito dê prosseguimento ao plano de estabilização enfrentando, entre outros, o desafio de estabelecer o equilíbrio fiscal.
Iniciamos a análise dos programas pelas medidas de política de curto prazo. Fortalecimento do sistema de crédito agrícola é considerado em todos os programas. Curiosamente, todos postulam juros especiais para o setor e atribuem ao governo importante papel na determinação da taxa de juros e do volume de recursos para o crédito agrícola.
Mesclam–se a favor do subsídio desde partidos muito favoráveis à intervenção governamental, como o PT, e aqueles que se dizem de caráter liberal, como o PPR. O insólito é que o crédito subsidiado no Brasil além de ter sido pouco efetivo para aumentar a produção agrícola, contribuiu para a concentração da renda e da propriedade da terra na agricultura.
Existe também uma relativa concordância com relação ao uso de preços mínimos e estoques reguladores como instrumentos da política de comercialização. Convém lembrar que este tipo de política foi experimentado durante grande parte da década de 80, quando o governo brasileiro manteve estoques elevados. Naquele período, houve crescente desinteresse do setor privado pela comercialização agrícola e o Tesouro Nacional teve que despender elevado volume de recursos para a formação e manutenção dos estoques públicos.
Outro aspecto é a política de abastecimento do candidato do PT, que pretende manter um monitoramento constante dos preços e das margens de lucro nas cadeias dos produtos da cesta básica.
Caso necessário, segundo a proposta, para manter a coerência entre o controle de preços finais e a remuneração dos produtores, o governo poderá subsidiar os produtos básicos. Uma vez mais a experiência brasileira, tanto com o controle de preços, quanto com subsídios à produção demonstra as dificuldades que surgirão com a implantação dessas medidas. Nesse contexto, ao governo caberá o papel de comprar "caro" dos produtores e vender "barato" para os consumidores, com elevados custos para o Tesouro.
É interessante lembrar que muitos países desenvolvidos subisidiam os produtores agrícolas. Porém, diferentemente da proposta em análise, uma grande parte deste subsídio é paga pelos próprios consumidores. Ainda assim, o custo para o Tesouro tornou-se tão elevado que levou os governos destes países a enfrentarem os fortíssimos lobbies dos produtores rurais e a marcharem com o GATT reduzindo subsídios.
Passemos agora às políticas de longo prazo. Neste aspecto os programas que melhor articulam suas propostas são os de Fernando Henrique e de Lula. Ainda que existam semelhanças de objetivos e algumas propostas comuns aos dois programas, os caminhos para atingir estes objetivos são distintos, revelando uma visão marcadamente diferente quanto ao desenvolvimento rural e à estratégia para redução da pobreza. De início é interessante notar que enquanto o comércio internacional é considerado um fator positivo para o desenvolvimento econômico no programa de Fernando Henrique, Lula tem uma atitude negativa. No caso da agricultura o candidato do PT propõe a busca da auto-suficiência na produção dos gêneros que compõem a cesta básica proibindo a importação destes alimentos, a não ser em situações onde houve risco de desabastecimento.
A estratégia de desenvolvimento de Fernando Henrique é baseada em educação básica, ensino profissionalizante, pesquisa e extensão rural e em expansão da agroindústria para cidades do interior. Sua adoção poderá se materializar em: 1) aumento da oferta de emprego urbano; 2) melhoria de desempenho da mão-de-obra; 3) aumento da mobilidade da mão-de-obra, facilitando sua absorção em outras atividades no setor rural ou no setor urbano; 4) desconcentração de atividades industriais para cidades de menor porte; e 5) aumento de produtividade.
Um aspecto interessante é que o crescimento da agroindústria torna mais fácil o acesso dos pequenos e médios produtores rurais ao trabalho urbano. A experiência internacional mostra que este é um mecanismo muito eficiente para reduzir as desigualdades entre renda urbana e renda agrícola.
A estratégia de Lula se baseia na reforma agrária e na política de emprego e relações de trabalho. A reforma agrária é central no programa que tem como meta o assentamento de 800 mil famílias até o final do governo. Este objetivo é extremamente ambicioso e dificilmente poderá ser atingido em quatro anos. É importante notar que neste modelo a criação de empregos ocorrerá primariamente no setor rural. Não obstante, as participações da agricultura na renda e no emprego diminuem à medida em que um país se desenvolve. Esta estratégia poderá portanto retardar o avanço tecnológico e comprometer a capacidade de produzir alimentos e matérias-primas para o consumo doméstico e para o mercado externo, além de contribuir para aumentar a diferença entre a renda no setor urbano e no rural.

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