São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Rendimento do trabalho equivale a apenas um terço da renda nacional

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

A economia brasileira viveu um espetacular surto de crescimento que durou do pós-guerra até o final dos anos 70, quando cresceu, na média, 7% ao ano. Mas ao mesmo tempo em que se consolidava, o modelo brasileiro revelou-se extremamente excludente e concentrador. Os anos 80 agravaram essa situação, combinando o pior dos mundos com a interrupção do ciclo de crescimento, a incapacidade do Estado fazer frente aos seus compromissos sociais, e a aceleração da inflação, que se transformou em um forte elemento concentrador da renda (1).
Ao longo das últimas décadas inúmeras políticas salariais foram implantadas, sem, no entanto, atender ao objetivo ideal da manutenção dos salários reais. A aceleração da inflação se encarregava imediatamente de derrubar o poder de compra dos salários, além de afastar os investimentos produtivos e concentrar renda. O resultado desse conjunto de fatores é que hoje temos uma economia com o mais elevado índice de concentração de renda no mundo. No Brasil, apenas 10% da população mais rica detém mais de 50% da renda nacional.
Do ponto de vista da distribuição funcional, embora faltem dados atualizados, estima-se que a renda do trabalho equivalha a cerca de um terço da renda nacional, ou seja, a metade do observado nos países desenvolvidos.
Como reverter esse quadro dadas as condições atuais da economia brasileira? Este é um dos principais desafios que se apresentam ao novo governo.
Em primeiro lugar, a questão da distribuição de renda não pode ser vista de forma dissociada de um conjunto de variáveis importantes, como a questão fiscal e tributária, o papel do Estado nesse processo, a estabilização e o desenvolvimento econômico. Para gerar emprego e salário, é preciso que a economia cresça; para haver crescimento, é preciso investimentos e estes dependem de um mínimo de horizonte de planejamento, estabilidade nas regras e uma moeda que viabilize o cálculo econômico. Mais do que isso, o desafio maior não é só o crescimento econômico, mas o desenvolvimento, ou seja, é preciso que os benefícios desse processo cheguem à maior parcela da população, diretamente através de empregos e salários e indiretamente, através dos serviços públicos (saúde, saneamento, educação etc), de forma a melhorar a qualidade de vida.
A questão tributária e fiscal é um importante instrumento distributivo. O nosso sistema tributário é sabidamente ineficaz, complexo e, principalmente, injusto. É preciso simplificar a estrutura tributária, além de rever a tributação sobre o trabalho, a produção e os investimentos.
A excessiva carga tributária sobre os itens da cesta básica, por exemplo, é uma das iniquidades que devem ser alteradas. Da mesma forma, um maior equilíbrio na distribuição de recursos e responsabilidades, entre União, Estados e municípios é algo que deve fazer parte da pauta de revisão.
A inflação é uma grande inimiga da renda dos assalariados. A sustentação da estabilidade somente se dará através de reformas fundamentais, envolvendo, além das questões já colocadas, o redesenho do papel do Estado brasileiro para que ele tenha condições de cumprir o seu papel.
Essas tarefas não caberão unicamente ao Executivo, embora a iniciativa e a articulação devam partir dele. O papel do Congresso será fundamental na viabilização de uma sociedade mais justa.
Importantes questões como a fiscal, por exemplo, dependem de reformas na Constituição, para as quais é preciso três quintos de aprovação nas duas Casas do Legislativo Federal e em dois turnos de votação.
Paradoxalmente, é preciso crescer para distribuir, mas uma estrutura de renda menos iníqua é uma condição "sine qua non" para garantir, no longo prazo, a estabilização da economia e a expansão do mercado de consumo. Mas que isso não seja visto como um horizonte distante. Parafraseando Keynes, "no longo prazo estaremos todos mortos" e muita coisa pode ser feita já.

(1) a questão é aprofundada em: Lacerda, A.C. de, "Distribuição de renda no Brasil nos anos 80". In: Revista de Economia Política, Nobel, São Paulo, nº 55, julho a setembro de 1994.

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