São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Todos querem mudar a estrutura fundiária mas consenso é aparente

JOSÉ JULIANO DE CARVALHO FILHO

O acompanhamento do horário eleitoral e dos poucos debates ocorridos entre os candidatos à Presidência da República podem levar o eleitor a supor que existe consenso quanto à reforma agrária. Praticamente todos os candidatos declararam-se a favor e a incluíram nos programas de governo.
Cabe a pergunta: existe realmente este consenso ou ele é apenas aparente?
Apesar das importantes transformações ocorridas no meio rural brasileiro nas três últimas décadas, a reforma da estrutura agrária brasileira não perdeu atualidade. A modernização da agricultura provocou expressivos resultados nos campos da produção e da agroindustrialização, contudo, também implicou em maior concentração e excludência. A estrutura fundiária permaneceu entre as mais concentradas do planeta. Os indicadores relativos à distribuição de renda e níveis de pobreza rural, atingiram níveis absurdos. Um grande contingente populacional foi expulso do campo e hoje sobrevive nos centros urbanos em condições insuportáveis de miséria.
A reforma agrária é uma das políticas públicas apropriadas para atacar estes problemas. A leitura dos programas de governo das quatro principais forças políticas que concorrem à Presidência da República permite a constatação de importantes diferenças.
Sob o título "Reforma Agrária Moderna", o programa de Orestes Quércia não propõe, propriamente, uma reforma agrária. A proposta ali contida, refere-se a projetos de assentamento e colonização, em áreas de fronteira agrícola em expansão, executados totalmente pela iniciativa privada e financiados pelo governo federal. A retórica utilizada é a da interiorização do desenvolvimento e a estimativa de famílias beneficiadas é de 400 mil para o período do mandato. O programa de Leonel Brizola coloca como princípio fundamental a democratização do acesso à terra, preconiza a eliminação da propriedade improdutiva e elege a pequena propriedade familiar como modelo preferencial, sem prejuízo de outras formas de uso da terra.
Luís Inácio Lula da Silva apresenta o programa mais comprometido com a reforma agrária. Ela é considerada como uma política estrutural. O texto é muito claro quando afirma: "Para nós, a reforma agrária designa o conjunto de transformações sociais e políticas resultantes do processo de reordenamento da atual estrutura fundiária do país, com a incorporação dos sem terra e minifundistas à condição de trabalhadores autônomos". O conflito fundiário é tido como um plano de reforma para 15 anos e uma meta de 800 mil famílias assentadas para os quatro anos de governo. O irrealismo de meta tão otimista é contraditado pelo reconhecimento de que as propostas contidas no programa dependem da "criação e aperfeiçoamento dos instrumentos políticos e administrativos" e, como decorrência, do fortalecimento da capacidade do Estado para intervir na questão. Considera a desapropriação como o principal instrumento na distribuição de terras. A proposta envolve cinco subprogramas: assentamentos; arrecadação de terras públicas; arrendamento e parceria; tributação de terras agrícolas; e reforma agrária com irrigação para o Nordeste. A visão de agricultura é bimodal com fortalecimento da agricultura familiar e desenvolvimento da agricultura empresarial. O programa não esclarece quanto à questão dos recursos.
O programa do candidato Fernando Henrique Cardoso reconhece a necessidade de profundas mudanças no campo e considera a reforma agrária como medida importante para a resolução do problema da segurança alimentar, para o fortalecimento da agricultura familiar e para a redução dos conflitos agrários. Embora os argumentos sejam parecidos com os de Lula, neste caso, trata-se de um conceito de reforma agrária como política apenas compensatória, sem a pretensão de alterar significativamente o padrão de desenvolvimento rural. As metas do programa para assentamento de famílias são crescentes a cada ano, totalizando 280 mil famílias, assentadas no final do mandato. O que deixa dúvidas é a sua viabilidade política, já que é na coligação que apóia FHC que se aloja grande parte das forças políticas retrógradas, contra qualquer alteração da estrutura fundiária do país.

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