São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Mudar a Petrobrás exige coragem

ANTONIO MACIEL NETO

O petróleo, inclusive o gás natural, continuará sendo o energético mais importante nas próximas décadas. As reservas atuais, no contexto internacional, alcançam um trilhão de barris de óleo e 142 trilhões de m3 de gás. O Brasil participa com 1% e 0,1%, respectivamente. Por consequência, a indústria do petróleo deve merecer atenção de todos, especialmente dos governantes.
A Petrobrás cumpriu a sua missão ao exercer o monopólio estatal em nome da União nos últimos 40 anos. Desenvolveu e implantou atividades de exploração, produção, transportes, refino e distribuição, que estão equiparadas às maiores do setor. Contribuiu decisivamente para o erguimento da engenharia nacional e da indústria de bens de capital. Gerou milhares de empregos. Aplica em desenvolvimento científico e tecnológico, sozinha, o equivalente ao que aplica todo o setor privado nacional. Dispõe de quadros técnicos excepcionais, contratados em concursos públicos e treinados permanentemente no Brasil e no exterior.
Os cenários para o futuro indicam que teremos, cada vez mais, um mundo interdependente. A globalização da economia não é uma moda. É o resultado das revoluções tecnológica e gerencial, que multiplicaram espetacularmente a capacidade de produção e disseminaram amplamente a informação. Os preços do petróleo se manterão nos patamares atuais, entre US$ 15 e US$ 20. Estes preços poderão cair ainda mais se houver novas grandes descobertas ou se forem desenvolvidas novas tecnologias que permitam uma retirada mais eficiente do petróleo das jazidas (retira-se hoje, no máximo, 26% do petróleo encontrado). Cada vez mais os consumidores estarão exigindo produtos e serviços referenciados aos melhores do mundo. Neste contexto não há mais espaço para comportamentos autárquicos ancorados em paradigmas ultrapassados. Temos que mudar.
O setor do petróleo precisa ser aberto para viabilizar mais investimentos, nacionais e estrangeiros, conforme consta do programa de governo do candidato Fernando Henrique Cardoso. Os investimentos, no primeiro momento gerarão empregos e mais arrecadação. Em seguida teremos maior disponibilidade de óleo e, principalmente, de gás natural. O gás natural é o combustível do futuro. Limpo e eficiente, em todos os sentidos, hoje, participa com apenas 2% na nossa matriz energética, enquanto nos países desenvolvidos essa participação é superior a 20%. É fundamental ressaltar que a abertura deve ser regulamentada por um Estado independente e competente, uma vez que o subsolo pertence à União. Deverá ser elaborado um planejamento estratégico para a definição das prioridades, para a otimização do abastecimento nacional e para garantir a competição. As licitações e o estabelecimento dos preços deverão ser transparentes. Deverão ser exigidos investimentos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. É assim que funciona na maioria dos países que têm petróleo.
O candidato Luís Inácio Lula da Silva, ao incluir no seu programa a manutenção do monopólio estatal do petróleo, para ajudar a empresa, na verdade, está prejudicando a estatal. O futuro da Petrobrás depende da capacidade da empresa transitar para uma nova realidade: a da competição. A melhor hora para iniciar a mudança é agora, quando a empresa ainda está forte e íntegra, apesar das interferências políticas que têm sido uma constante na administração: nove presidentes nos últimos seis anos. Vale lembrar que a Petrobrás Distribuidora compete com as melhores empresas internacionais, tem a maior participação do mercado e sempre ganha prêmios como a melhor do segmento.
A diferença nítida entre os programas dos presidenciáveis que estão liderando nas pesquisas é a que foi ressaltada: abrir ou não o setor. FHC detalha mais os investimentos e as metas, chegando inclusive a quantificá-las. Infelizmente, os programas não mencionam as providências necessárias para que o consumidor seja beneficiado no curto prazo: o aumento da produtividade da Petrobrás.
A Petrobrás precisa adotar urgentemente novos padrões de gestão. É necessária uma radical descentralização para conferir maior autonomia para as unidades operacionais. Não é concebível, na era da eletrônica, manter 5.000 empregados na sede corporativa: 10% do total. É fundamental terceirizar tudo o que não se relacionar com os aspectos medulares da indústria do petróleo, buscando a minimização dos custos fixos. É importante dar prioridade para as atividades do exterior, para aumentar as receitas e para desenvolver um aprendizado forçado oriundo da competição com o que há de mais competitivo. É fundamental acelerar o programa de qualidade total para que os conceitos de atendimento pleno e evolutivo das demandas dos consumidores permeie toda a organização. É essencial aprofundar o esforço de desenvolvimento tecnológico e dos recursos humanos. É urgente uma ação gerencial para acabar com a politicagem interna e colocar a Petrobrás em condições de atender as exigências que serão impostas às empresas que sobreviverão no próximo milênio. Não se trata de privatizar. Existem outras prioridades. Trata-se de eliminar o monopólio, mantendo a empresa integrada e livre para se desenvolver. Neste ambiente, poderão ser estabelecidas alianças estratégicas. Deveria ser ampliado o número de acionistas, hoje de 155 mil, para 2 milhões através de uma colocação dirigida das ações no mercado.
Tenho grande admiração pelos meus companheiros que continuam defendendo as teses que acreditei no passado. No entanto, o melhor para o Brasil é mudar. Toda mudança requer coragem. É isso que esperamos do nosso próximo presidente.

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