São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Diante do risco de déficit, falta urgência aos planos de Lula e FHC

JOÃO CAMILO PENNA

Ao ler as propostas de FHC e de Lula para energia elétrica, podemos verificar uma identificação em relação aos problemas, e mesmo algumas propostas similares. Um exame cuidadoso revelará profundas diferenças.
Lula defende que "a energia não deve ser considerada mero bem de comércio, mas componente essencial para suprir as necessidades da população e para promover o desenvolvimento".
Ambas propõem planejamento central. Para Lula, deve haver um "plano que englobe os vários energéticos e que seja integrado ao econômico, social e ambiental". FHC fala em "estratégia que trate as fontes energéticas em conjunto, vinculando o plano às prioridades no econômico e no social".
As propostas destacam o atendimento aos carentes. Os candidatos querem fortalecimento do poder que concede e regula. FHC propõe "consolidar e implementar marco regulatório que direcione a reestruturação com competitividade em produção, transporte e comercialização", e "revitalizar órgãos do poder concedente e transferir para os Estados algumas das funções reguladoras".
"Aperfeiçoamento institucional para fortalecer e dar papel isento ao regulamentador, garantido o envolvimento da sociedade nas fases do processo decisório sobre empreendimentos" é a proposta de Lula.
Sobre participação privada, FHC defende "incentivos à participação de capitais privados em novos investimentos e estímulos à produção independente e à comercialização da energia".
Lula fala em "expansão coordenada pelo Estado, priorizando o serviço público, fomentando co-geração e geração descentralizada e considerando produtores independentes". Diz que "a participação privada será considerada a partir de regras de concessões e licitações".
Tratando supostas deficiências do passado, Lula propõe "rever contratos de venda a preços subsidiados, rever privatizações, democratizar os conselhos de administração e tornar a regulamentação permeável aos consumidores". A proposta de Fernando Henrique defende a "articulação com os Estados para corrigir desvios das concessionárias como pré-condição para concessões".
Creio poder concluir por conceitos-síntese nas duas propostas de governo. Em FHC, deduz-se competitividade -serviço público concedido; e em Lula, cidadania- serviço público regulado.
Destaca-se que FHC não explicitou programas de conservação, e que Lula não abordou o papel dos Estados da federação e não tocou no conceito da competitividade.
Como lembramos, estes são pré-planos eleitorais. Cabem, pois, proposições. Tendo 25 anos no serviço elétrico e 20 anos em missões ligadas ao meio empresarial, atrevo-me a dizer que falta aos planos o senso grave da urgência.
O problema primordial é garantir o fornecimento hoje e nos anos vindouros, como pedido pelos mercados, a preços competitivos. A energia mais cara é aquela que não é disponível quando necessária.
O "Plano de Operação Nacional 1994" da Eletrobrás prevê para o próximo quinquênio –no Sul, Sudeste e Centro Oeste– pequenos, porém crescentes, riscos de déficit, gerenciáveis considerando o programa de obras em andamento e crescimento da carga nestas regiões a 3.3% ao ano.
Analisando-se a situação financeira do setor, quem garante que não haverá novos atrasos nas obras? E crescimento de 3.3% ao ano poderá ser muito pequeno visto que o sucesso do Plano Real sinaliza taxas bem maiores.
O problema não é só que não haja racionamento. É poder garantir agora que ele não existirá.
As empresas estatais, de sucesso insubstituível dos anos 50 aos 70, envelheceram mal nos anos 80 e 90, apesar de competentes e dedicados líderes setoriais que não conseguiram reverter o quadro. Desmandos políticos iniciaram um processo que, em reação, criou forte corporativismo interno. Desde o início, cartéis de empreiteiros e fornecedores oneraram os custos dos investimentos. Apesar disso, as tarifas permaneceram relativamente competitivas, comprimidas pelo poder regulador. Remunerações baixas ou negativas camuflaram altos investimentos e despesas operacionais altas. O setor se endividou, atrasou obras, recebeu grandes aportes dos tesouros (que não virão mais) e está em dificuldades financeiras. Se as tarifas forem reajustadas para remunerar o investimento a, digamos 12% ao ano antes do Imposto de Renda, haverá altas reais médias superiores a 50%. A aparente competitividade desabaria.
O engenheiro J. L. Alqueres, presidente da Eletrobrás, em palestra na Fiesp, em 93, "Uma reabertura à iniciativa privada", mostrou que o Estado não dará mais conta sozinho de manter e fazer crescer o setor elétrico.
O mercado pede remunerações de capital de risco da ordem de 15% a 20% ao ano antes do imposto de renda de 40%. As estatais estão remunerando, digamos, de negativo a 6% antes do IR e estão tomando empréstimos a 20% reais ao ano.
As suas ações estão no mercado secundário a valores médios abaixo do valor patrimonial, o que significa dificuldades para lançamentos primários. De onde obter recursos?

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