São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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A médio prazo, o apoio social é a principal âncora contra preço alto

HERON DO CARMO

A estabilidade de preços, como têm mostrado os vários planos de estabilização implantados desde o Cruzado, é uma das metas mais almejadas pelos brasileiros. Pesquisas de opinião, divulgadas desde a implantação da fase três do Plano Real, têm revelado índices de aceitação em torno de 70% para a reforma monetária, que reduziu abruptamente o ritmo inflacionário.
O curto período de convivência com taxas de inflação baixas e declinantes, sem a vigência de constrangimentos administrativos à fixação livre de preços pelo mercado, tem permitido à população vislumbrar os benefícios, em termos de bem-estar e eficiência produtiva, de se manter, em caráter permanente, índices inflacionários comparáveis ao padrão internacional.
Merece reparo, no entanto, a manutenção da indexação, como está previsto para os salários, com seus conhecidos efeitos realimentadores da inflação.
O fato da reforma monetária ter sido implantada no último semestre do atual governo, traz a vantagem de servir de performance referencial para o próximo.
Desde que se concretizem as projeções atuais de manutenção de taxas reduzidas, até o final deste ano, maior será o ônus político da adoção de medidas que impliquem na desestabilização. E a valorização da estabilidade pela sociedade é que deverá se constituir na principal âncora do plano a médio prazo.
O problema é que a inflação é apenas uma faceta da crise nacional e, uma vez superada a primeira fase de sua implantação, poderão aumentar as demandas sobre as finanças do setor público, para atender necessidades legítimas nas áreas de saúde, habitação popular, segurança e previdência, sem que haja recursos disponíveis para isso. Ademais, a própria reforma monetária, trará tensões para o setor financeiro estatal, notadamente os bancos estaduais, que podem comprometer a política monetária.
Isto posto, o próximo governo deverá, no início de sua gestão, encaminhar um conjunto de medidas visando remover os obstáculos institucionais à estabilização e, ao mesmo tempo, estabelecer prioridades para adequar o atendimento das demandas sociais aos recursos disponíveis. Para isso, terá a seu favor o apoio manifesto nas urnas, instituições depuradas por uma maior experiência de prática democrática e a crescente adesão da sociedade a reformas, que reorientem a atuação do Estado privilegiando áreas de interesse público geral.
Quanto às condições mais estritamente ligadas à gestão econômica, o país estará, em 1995, em seu terceiro ano de crescimento com a dívida externa equacionada, o setor privado capitalizado e competitivo e auferindo os resultados de uma experiência bem sucedida com a privatização do setor siderúrgico.
Em contraposição, contam, desfavoravelmente, o longo período de convivência com taxas de inflação elevadas e a tradição de incúria no seu combate.
Sucessivos governos têm se apoiado em argumentos que vão da associação espúria entre inflação e desenvolvimento à defesa da indexação como um antídoto sem efeitos colaterais mais sérios. As várias tentativas de estabilização não tiveram continuidade, pela perda da base de sustentação política ou porque, de fato, o objetivo principal era outro. Há mais de meio século –calcula-se índice de preço ao consumidor em São Paulo, o atual IPC-Fipe, desde 1939–, observa-se, a cada nova década, uma taxa maior da inflação.
A década de 90 vem apresentando, até o momento, taxa de crescimento de preços superior à verificada no mesmo período dos anos 80. Isto explica a posição de relativa reserva da sociedade quanto às possibilidades de estabilização em caráter duradouro como mostra a preocupação das pessoas, em geral, com a evolução dos índices de preços.
Na verdade, não se pode menosprezar os obstáculos à condução de um processo complexo de estabilização em um país, com as carências sociais do Brasil, com elevado potencial de alavancagem política. Isto não significa que o novo governo não possa imprimir sua marca ao plano, desde que adeque os gastos às possibilidades de financiamento não-inflacionário e paute a política monetária em consonância com o objetivo de manter preços estáveis. Recursos da privatização e das reservas cambiais podem flexibilizar a restrição orçamentária aumentando a margem de manobra do governo. Mas o fundamental, para que não se frustre mais este plano de estabilização, é que se promovam as reformas estruturais transmitindo à sociedade a convicção de que não há processos comulativos de desajustes, cuja conta deva ser paga no futuro.

HERON CARLOS ESVAEL DO CARMO é professor doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP e coordenador adjunto do IPC-Fipe.

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