São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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PSDB vê cultura através da economia

RENATO JANINE RIBEIRO

Programas políticos costumam ser meras cartas de intenção, em que se promete o que não se fará. Por isso, muitos suspeitam deles, preferindo checar a prática dos candidatos (o que é correto) ou confiar em seus próprios preconcenitos (o que é péssimo). Mas a leitura dos projetos culturais de alguns presidenciáveis, mesmo sendo área que para poucos deles tem prioridade, é bastante instrutiva.
A proposta de Fernando Henrique causa estranheza, dado o seu perfil de sociólogo respeitado. Mas começa assim: "A atividade cultural gera riqueza e emprego", para só depois dizer que também "valoriza os recursos naturais e o patrimônio histórico, incentiva o espírito crítico, promove a criatividade e a invenção".
A cultura, por sinal reduzida ao convencional, é lida pelo PSDB a partir da economia. Ora, a contribuição da cultura para o PIB é menos relevante que seu papel na construção do simbólico e do imaginário da sociedade –pontos omitidos do projeto tucano.
Neste aspecto, a proposta brizolista é mais consistente: "a cultura brasileira é o maior patrimônio do nosso povo", proclama. É verdade que para o PDT a cultura "ameniza a crueza das desiguladades", e forja "um sentimento de identidade que junta passado e presente e transcende diferenças".
Como o melhor do trabalho recente em ciências humanas constistiu em mostrar o caráter construído e mesmo autoritário das identidades, e em negar à cultura o papel de atenuante para o conflito social, essas frases não soam felizes.
Mas, ainda assim, definem uma visão global do que seria a cultura, associada ao nacionalismo, que o PDT é o único partido forte a defender. O projeto Brizola tem a qualidade de propor uma idéia de cultura ligada a um modo de viver, de perfil mais antropológico do que beletrístico.
Das propostas, é a do PT que enxerga mais longe, associando já de início a questão cultural à "conquista da cidadania". É curioso que no programa FHC a cidadania assuma relevo bem menor. Também merece nota que apenas o PT questione o oligopólio da TV, tema ignorado pelos demais candidatos.
O eixo da proposta Lula está em articular a cultura com outras áreas de atuação federal. Na educação, quer usar melhor os órgãos existentes, com as universidades servindo de correias de transmissão cultural, por exemplo. O problema, em suas intenções, está em mal distinguir a cultura do lazer e do esporte.
Já a proposta Quércia é a que apresenta mais sugestões concretas, obviamente inspiradas na gestão de Fernando Morais na Secretaria paulista de Cultura. Quer difundir oficinas culturais, recuperar salas de cinema em parceria com os municípios e promover festivais regionais de música popular.
Enfim, os projetos se diferenciam bastante. O PT e o PDT têm os mais estruturados conceitualmente, dão prioridade maior à cultura e a engrenam na promoção das classes pobres a um novo patamar da sociedade.
Os lulistas falam mais na forma (acesso popular à cultura) do que no conteúdo que esta terá . Já Brizola atribui conteúdos à cultura, integrando, no nacionalismo, Villa-Lobos, Portinari, Graciliano.
Apesar de algumas boas medidas pontuais, FHC se limita a navegar entre a redução do papel do Estado e uma idéia tradicional de cultura. E Quércia não consegue construir um projeto que vá além de medidas localizadas, embora positivas.
Parece que o PMDB perdeu uma visão global da cultura, e que o PSDB a subordinou ao ideal de um Estado no qual a economia prepondera, como pilar da racionalidade política e social. Com isso, ele corre o risco de desconhecer os potenciais da cultura, ora racionais, ora irracionais, mas sempre explosivos.

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