São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Não vai dar tempo de cuidar do Marcelinho'

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Claudia, 27, foi infectada há cinco anos pelo marido, que usava drogas. Tem três filhos. Duas meninas, de 7 e 12 anos, estão em um orfanato. Marcelo, 4, tem o vírus da Aids e vive com ela em uma casa de apoio da Alivi, na Cantareira (zona norte).
"O médico já disse que as infecções estão aparecendo, que a doença agora pode ir depressa. Não vai dar tempo de cuidar do Marcelinho. Falei com uns parentes, mas não sei se vão poder ficar com o menino.
Já inscrevi ele na Casa Vida do padre Júlio para quando eu faltar. Lá ele vai ficar com outras crianças, posso descansar melhor assim.
As meninas que estão no orfanato quero que sejam adotadas por uma família. Já deixei isto por escrito. Sonho que elas sejam bem cuidadas por alguém.
A mais velha já tem condições de entender. Não falei da Aids, mas contei que a doença que tenho não tem cura, que é a mesma que matou o pai dela.
Ela entendeu que vou morrer. Ficou triste, revoltada, não quer mais comer, nem ir para a escola. Me disse que já levaram o pai, agora não quer que levem também a mãe.
Eu, se não tivesse esses filhos, não iria mais querer viver. Tenho doença na pele, tive outras infecções, faz tempo que estou sofrendo. Meu marido morreu há quatro anos.
Fico viva pelas crianças. É só por elas que me cuido ainda.
Meu marido era laqueador, a gente morava no Rio de Janeiro. Ele usava droga injetável. A doença dele, ninguém imaginava. Só quando caiu doente descobrimos que estava com Aids.
Eu estava no oitavo mês de gravidez do Marcelinho, fiz o exame e descobri que também estava com o vírus da Aids.
O menino nasceu com a doença. Está bem, vive brincando por aí. Quando eu morrer, espero que ele fique bem na casa do padre Júlio.
Depois da morte do meu marido eu vim para São Paulo, comecei a trabalhar numa metalúrgica. Agora, estou de seguro-doença. Se tivesse um jeito, gostaria de passar o resto dos meus dias com meus três filhos. Mas é só um sonho. Se arrumar alguém para cuidar deles já vou morrer em paz."
(AB)

Texto Anterior: 'Procuro uma pessoa que possa adotá-lo'
Próximo Texto: 'Tenho a sensação de que vou viver'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.