São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lembranças de um país perdido

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma agradável surpresa esses retalhos de memória que Gilberto Dupas reservou para o leitor. Entre o conto e a crônica, as narrativas tecem uma personagem bem construída, obviamente autobiográfica, como toda escrita, mas convenientemente resguardada contra o exibicionismo, como a boa literatura.
É uma obra de principiante, o que não é um reparo. Não é fácil submeter-se a uma iniciação, sobretudo na maturidade. Dupas tem um nome, sua atuação na administração pública e no setor privado, na economia e na cultura é bastante conhecida. Razão a mais para temer expor-se como principiante numa área em que, ao contrário do mercado, a competição é selvagem.
A narrativa de Dupas deixa no ar esse meio sorriso que deixam as boas lembranças. Lembranças boas mas, por que não, amargas da infância no interior, da faculdade na capital, da política estudantil numa era de grandes mudanças, em que o mundo parecia ao alcance da razão e da vontade. Uma mistura que teria tudo para resultar num grande bolo fofo, num sentimentalismo piegas.
Mas o autor fica longe disso, provavelmente pelo tom contido, às vezes excessivamente, e pelo zelo artesanal do principiante. Uma ou outra palavra que sobra, uma explicação a mais, são cuidados que frequentemente traem a preocupação de não deixar fios soltos, de fazer com que o leitor entenda exatamente aquilo que se quer dizer. Mas essa contenção evita o estilo derramado de narrativas fortemente memorialísticas como a de "Retalhos de Jonas".
Essa contenção, e parte do zelo estilístico concentram-se nos episódios de infância e adolescência. Dupas detém-se com evidente ternura sobre o menino que foi. Ternura sim, até cumplicidade, mas não complacência.
A narrativa é bem mais solta quando entra em cena o Jonas adolescente, e sobretudo o homem maduro. Dupas olha com ternura para o Jonas criança, mas claramente tem mais intimidade com o adulto.
Aqui, também, a experiência compartilhada pelo autor e seus leitores tende a ser maior. É o universo dos profissionais universitários, da pequena parte da elite que se empenha em mudar os rumos de um país que se perdeu de tal forma que uma parte do povo, também pequena, é verdade, já se dispõe a abandoná-lo à procura desse futuro que nossos pais e avós disseram ser nosso.

Texto Anterior: Pseudo-história da esquerda brasileira
Próximo Texto: As mil faces da guerra em Sarajevo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.