São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Crença contradiz desenvolvimento

FERNANDO ROSSETI
DE JOHANNESBURGO

A idéia de desenvolvimento da "nova" África do Sul é conflituosa com a crença na bruxaria, defende o antropólogo Edwin Ritcken, diretor sul-africano da Fundação Ashoka, que teve Chico Mendes entre seus bolsistas.
Na atual ordem mundial, "desenvolver" envolve, entre outras coisas, ter democracia.
Só que o poder entre os nativos africanos está fundado na crença de que o chefe tem um "acesso privilegiado" ao sobrenatural. Isso ocorre porque ele é o homem mais velho de uma linhagem nobre.
"É esse acesso aos ancestrais mais nobres que legitima o direito do chefe de reinar. E isso não é democrático", diz o antropólogo. O problema é que a maioria dos negros (76% da população) acredita, senão em bruxaria, no poder dos ancestrais de influir no presente.
"Em regiões urbanas, 60% dos negros têm crenças e praticam rituais tradicionais, inclusive sacrifícios para os ancestrais", afirma Clive Simpkins, especialista em mídia e marketing do jornal "Weekly Mail & Guardian".
O próprio presidente Mandela cita os ancestrais em alguns discursos. Seu partido, o CNA (Congresso Nacional Africano), condena os julgamentos de bruxaria.
Quem cresce nessa cultura "não distingue o social, o natural e o sobrenatural", diz Ritcken. "Eles vivem num mundo onde há bruxas, ancestrais, todo tipo de seres. Os objetos têm poder sobrenatural, as coisas são mágicas."
Os colonizadores brancos mantiveram a estrutura de chefes dos africanos. Mas reconheciam apenas seu caráter político, não o espiritual. Com o apartheid, a interveção nas chefias se acentuou.
"Mandavam chefes de uma região para governar outra", conta o pesquisador Mashabela. "Isso é desmontar a estrutura tradicional de poder, já que um estrangeiro não pode estar em contato com os ancestrais daquele lugar."
Com a dissolução das regras aceitas para lidar com problemas, as pessoas passaram a resolver conflitos sociais –sempre crescentes– de sua própria forma.
A tese de Ritcken relata casos na década de 80 em que jovens negros ligados ao CNA e ao partido rival Inkatha usavam acusações de bruxaria para matar oponentes políticos.
(FR)

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