São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 1994
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Alíquota para idéias

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Nada contra abrir a economia brasileira. Mas pelo menos uma alíquota de importação deveria ser bastante elevada. Refiro-me à importação de idéias e/ou de modelos. É incrível como, em um país que dizem ter-se modernizado muito nos últimos tempos, a bugrada toda continua "comprando" idéias prontas e acabadas sem parar nem sequer para pensar.
É evidente que todo país deve aproveitar a experiência alheia, até para não cometer os mesmos erros. Mas o mal brasileiro, desde sempre, é o de importar idéias e modelos na forma de caixa preta. No fundo, continuamos onde estávamos lá pelos idos de 65 ou 66, já não me lembro, época em que o então chanceler Juracy Magalhães dizia que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.
Talvez até seja, mas o diabo é que os brasileiros costumamos importar apenas uma parte das idéias alheias, justamente aquela parte que serve aos que não precisam. Exemplo: sobre Margaret Thatcher, quase tudo o que se sabe no Brasil é que ela foi a campeã do liberalismo, a dama de ferro da privatização, a governante que quebrou a munheca do poderoso sindicalismo inglês.
Ninguém ou quase ninguém diz, por aqui, que Margaret Thatcher, com todo o seu liberalismo, nem por isso deixou de aumentar 3% ao ano, em termos reais (descontada a inflação), o gasto social.
A importação de idéias com alíquota zero é, portanto, seletiva. Não pense o leitor que estou defendendo uma espécie de especificidade brasileira, que nos obrigaria a construir um modelo próprio, diferente de todos os demais. Nada disso, até porque não cabe a jornalistas construir ou propor modelos. Cabe-lhes apenas criticar os existentes.
O que estou defendendo é a necessidade de pensar. O Japão é um país fechado, os Estados Unidos são abertos, a Europa Ocidental tem a melhor rede de proteção social que o planeta conseguiu conceber. Em qualquer desses países ou regiões, vive-se melhor do que no Brasil, como é óbvio. Se fosse possível importar de cada qual apenas o melhor, tudo bem. Mas trazer caixas pretas com alíquota zero é de novo deixar-se seduzir por miçangas, como há 500 anos. Já chega.

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