São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 1994
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A saída do beco

JOSÉ SERRA

Vamos começar com dois pressupostos. Primeiro, que seja necessário promover reformas amplas na Constituição para consolidar a estabilização da economia a médio e longo prazos e retomar o desenvolvimento de forma sustentada. Segundo, que não seja viável do ponto de vista político, prático e constitucional convocar a famosa assembléia revisora exclusiva. Como são pressupostos, hipóteses de partida, não vamos analisá-los aqui.
Vamos analisar, isto sim, outra alternativa: a de mexer na Constituição de acordo com o processo previsto por ela própria e assim promover as reformas necessárias, muitas delas até o fim do ano, para que o novo presidente já disponha, ao assumir, de melhores condições para administrar a economia.
Essa idéia é irrealista, além de desgastante do ponto de vista político para o atual e para o novo presidente. Quem definiria o rumo da reforma? O atual governo? Haveria coincidência com o que o próximo desejaria? Quem votaria? O Congresso "velho"?
Além disso, é preciso lembrar que qualquer alteração na Constituição implica votação e aprovação em dois turnos em cada uma das casas legislativas –Câmara e Senado– por um quórum de 3/5 dos votos de cada uma delas. Por isso, os prazos regimentais exigiriam pelo menos 45 dias de tramitação em cada casa legislativa, ou seja, 90 dias redondos. Desse jeito, mesmo que as emendas fossem apresentadas no dia 4 de outubro e não houvesse obstrução de nenhuma força do Congresso (hipótese hilariantemente irrealista), nada seria concluído até dezembro.
Por último, é preciso lembrar também que uma proposta mais abrangente de reforma da Constituição é proibida regimentalmente. O frustrado "emendão" do governo Collor, por exemplo, foi dividido em várias propostas separadas. E, como é óbvio, a tramitação pela via ordinária de propostas separadas envolve sempre o risco de surgirem inconsistências, pois a apreciação é feita por comissões autônomas. Dá para imaginar como seria difícil o ajuste final dessas apreciações para a votação em plenário.
Por isso tudo, a melhor alternativa é estabelecer um processo especial de revisão no início do próximo ano, com data marcada para acabar (por exemplo, em quatro meses), sessões unicamerais e aprovação por maioria absoluta. A emenda estabelecendo esse processo (e somente ela) seria votada pelo atual Congresso, que, inclusive, poderia ser convocado extraordinariamente para esta finalidade no mês de janeiro (seu mandato acabará em 31 desse mês). No prazo de até um mês, seria feito um referendo para que a população confirmasse (ou não) a emenda aprovada, estabelecendo a revisão. Isto poderia conferir a necessária legitimidade à instauração do processo revisor, a ser feito pelo novo Congresso.
Houve quem argumentasse que reformas no próximo ano não resolveriam o problema da anualidade, no caso de mudanças tributárias. Bobagem. Qualquer coisa votada nessa matéria até dezembro exigiria leis complementares ou ordinárias a serem aprovadas em 1995, introduzindo também o problema da anualidade.

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