São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994
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Cedras acerta uma "saída honrosa" para os EUA

CLÁUDIO JULIO TOGNOLLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

O Parlamento haitiano será reaberto hoje às 14h (15h em Brasília), num calor de 40 graus e sob a vigilância de 500 soldados dos Estados Unidos, cercado pelo fantasma da anistia.
A palavra "fantasma" é empregada agora no Haiti porque, mesmo sob os olhos das tropas dos EUA, espera-se que a aprovação do perdão irrestrito aos militares provoque um retrocesso nas negociações de paz.
Desde às 5h de ontem, o Parlamento é fiscalizado por esquadrões antibomba, franco-atiradores e carros blindados Bradley e Hummer.
Quatro helicópteros Cobra e Blackhawk estarão sobrevoando o Parlamento durante a abertura da sessão.
A Folha apurou, junto a três embaixadores, que o homem-forte do Haiti, general Raoul Cedras, negociou sua saída do país, rumo aos EUA, antes que a suposta anistia seja sancionada.
Espera-se que a votação da anistia seja postergada para dar tempo à "saída honrosa" de Cedras.
Além dele, os primeiros prejudicados por uma anistia restrita seriam as duas principais figuras do militarismo haitiano: o braço direito de Cedras, Phillip Biamby, e o torturador Michel François, chefe da polícia nacional haitiana.
Os três foram escolhidos pessoalmente pelo ditador "Papa" Doc Duvalier, no poder por 29 anos, como membros "do futuro" da política haitiana.
Sob os três pesam acusações de terem ordenado a morte de 3.000 civis nos últimos quatro anos. É por isso que ontem esses três militares entregaram formalmemte e em "en doceur" o comando da polícia haitiana.
Prevendo a votação da anistia e a reabertura do Parlamento, essa negociação dos três com os EUA começou há dez dias.
O ex-presidente americano Jimmy Carter esteve no país e assinou acordo pelo qual a lei da anistia seria opcional, ficando, portanto, nas mãos dos parlamentares.
O acordo de sete parágrafos firmado por Carter ainda não foi assinado pelo general Raoul Cedras e nem pelo presidente deposto, Jean-Bertrand Aristide.
"O país só voltará ao normal se tivermos uma anistia irrestrita. Devemos esquecer todo o passado", afirma o senador haitiano Thomas Eddy Dupiton, um dos mais agressivos oponentes de Aristide.
"Não podemos perdoar jamais as mortes de 3.000 pessoas praticadas pelo atual governo", diz o senador Serge Joseph, amigo do presidente deposto.
A prova de fogo para o Parlamento, que tem 82 cadeiras, será o momento em que os deputados pró-Aristide lembrarem no plenário duas mortes atribuídas diretamente a Cedras e Biamby.
São elas: o assassinato do ministro da Justiça, Guy Malary, e do pai político de Aristide, Antoine Izmery –ambos metralhados por "attachés" quando saíam da Igreja do Sagrado Coração, no centro de Porto Príncipe.
O general Henry Hugh Shelton, comandante-supremo das tropas dos EUA, passou a manhã de ontem reunido com Raoul Cedras no quartel-general dos norte-americanos, que funciona no Parque Industrial haitiano.
Ficou acertado que o general haitiano não compareceria à reabertura do Parlamento.
Na noite de anteontem, tropas da 10ª Divisão de Montanhas dos Estados Unidos tomaram o prédio em que funciona o Conselho Eleitoral Permanente do Haiti, no centro da capital.
A Televisão Nacional do Haiti (TNH) transmitiu informes em que dizia que os EUA estariam interessados em influir no processo eleitoral haitiano.
A resposta foi dada no centro do Serviço de Informações dos EUA. O coronel Barry Willey informou que "o Departamento de Justiça e o Exército dos EUA não influirão nas eleições do país, bem como na votação da anistia", disse.
"Estamos aqui apenas para dar segurança para que os haitianos refaça seu sistema democrático. Segundo ele, a "consolidação da democracia se encontra em sua etapa estratégica final".
O rádio e a TV haitianos estão transmitindo esta semana duas novas mensagens gravadas por Aristide. Ele pede à população que aguarde sua volta com "disciplina, ordem, paz e reconciliação".

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